28/09/2010 - 07h00

Exército é chamado para evitar briga de tribos no dia da eleição

Marcel Vincenti
Do UOL Eleições

O país que tem urnas eletrônicas modernas enfrenta ao mesmo tempo desafios anacrônicos: a força do Exército tem de ser empregada para evitar que conflitos indígenas atrapalhem as eleições do dia 3 de outubro.

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A tensão se concentra principalmente em Tocantins. Pelo menos três magistrados do Estado já recorreram ao Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, para pedir que, na data da eleição, haja presença militar em aldeias que fazem parte de sua jurisdição. Foram atendidos.

Para os juízes tocantinenses, a confluência de diversas aldeias rumo às mesmas urnas pode reavivar antigos conflitos tribais da região. A lista de preocupações é variada: há desde um provável encontro – e confronto – entre caciques rivais até a possibilidade, bem real, de uma família achar o assassino de seu filho na fila do voto e querer matá-lo.

De acordo com o juiz eleitoral Arióstenes Vieira, cuja jurisdição abrange 13 aldeias da etnia krahô no norte do Tocantins, a presença do Exército é fundamental para garantir a ordem durante o pleito. “Essas 13 aldeias somam aproximadamente 500 pessoas, e elas terão que dividir apenas duas urnas no dia [3 de outubro]”, explica o magistrado. “Embora pertençam à mesma etnia, eles têm conflitos internos, o que já nos causou problemas em outras eleições”.

Arióstenes conta que, há alguns anos, houve uma cisão na família do cacique da aldeia Santa Cruz – cuja posição estratégica a transforma em um dos dois locais de votação para as tribos. “Um dos irmãos do cacique brigou com a família e formou outra aldeia [a Mangabeira], hoje considerada inimiga”, diz ele. “Na eleição de 2008, o Exército teve que escoltar mais de 90 pessoas da Mangabeira para que elas pudessem entrar na Santa Cruz e votar”.

Sob a alçada de Arióstenes, há outro caso emblemático: há algum tempo, um indígena assassinou um membro de uma aldeia vizinha à sua. Foi preso, mas hoje responde a processo em liberdade.

“Temos a preocupação de que a família do morto encontre o assassino no dia da votação e, como manda sua cultura, queira fazer justiça com as próprias mãos”, conta ele. “Com as tropas lá, temos certeza que o direito ao voto vai ser exercido de forma plena”.

Aversão à polícia

Quem explica o motivo pelo qual a polícia é preterida pelo Exército em tal trabalho é o juiz da 5ª Zona Eleitoral de Tocantins, André Gigo Leme Netto. Segundo ele, que também pediu tropas ao TSE, existe “evidente manifesto de aversão por parte dos povos indígenas à entrada de policiais em suas aldeias”.

“Os índios afirmam que seu território é federal e, portanto, só o Exército pode ingressar lá. Além disso, historicamente, eles têm mais respeito pelos soldados do que pela polícia, e por isso temos pedido a presença de tropas há algumas eleições e evitado problemas”, diz Netto, cuja jurisdição abarca cerca de 50 aldeias, a maioria da etnia Xerente.

Tal zelo territorial provocou um banho de sangue em dezembro de 2007 e influência até hoje a organização das eleições em Tocantins. Na época, índios de uma tribo apinajé, insatisfeitos com a falta de infraestrutura em sua aldeia, sequestraram um trator da prefeitura de Cachoeirinha, no norte do Estado, e mataram a golpes de borduna (espécie de porrete de madeira) quatro homens –entre eles os secretários de Finanças e Agricultura da cidade– que entraram em sua terra para recuperar o veículo.

Para evitar represálias, a Polícia Federal transferiu cerca de 100 membros da aldeia para a região do munícipio de Tocantinópolis, a 60 km de distância. Nas eleições deste ano, a cidade contará pela primeira vez com a presença do Exército.

“Temos um convívio pacífico com os indígenas de Cachoeirinha”, diz o chefe do cartório eleitoral de Tocantinópolis, Elias Mesquita. “Mas eles têm um histórico relacionado a mortes e esse foi um dos motivos que nos levou a pedir ajuda de força federal. Não queremos correr nenhum risco durante a eleição”.

Visão indígena

O presidente da OIT (Organização Indígena do Tocantins), Serewen Xerente, concorda com a presença do Exército nas aldeias no dia das eleições. Mas, segundo ele, os conflitos entre as tribos são causados, na maioria das vezes, pelos próprios políticos.

“Há muitos casos de gente tentando comprar o voto dos indígenas, e isso acaba dividindo as aldeias e muitas vezes gerando brigas internas”, conta ele. “Com o Exército no dia 3 de outubro, os índios vão poder votar tranquilos, sem nenhuma pressão externa”.

A opinião de Serewen ganha eco com Cleso Fernandes, coordenador regional da Funai em Tocantins. Para ele, os Tribunais Regionais Eleitorais deveriam exercer mais controle sobre as campanhas políticas feitas nas aldeias –lugares que ele considera “um universo com cultura própria”.

“Em período de eleições, os partidos tentam cooptar as indígenas do Tocantins e acabam por desintegrar as aldeias”, conta. “Com uma maior supervisão dos TREs isso poderia ser evitado”. 

Mobilização milionária

Até o último dia 24 de setembro, o Tribunal Superior Eleitoral já havia autorizado o envio de força federal para 171 municípios brasileiros. A maioria das localidades pediu o reforço do Exército por preocupação com conflitos entre facções políticas rivais e, também, por carecer de número satisfatório de policiais.

O Tocantins é, até o momento, o único Estado que solicitou auxílio por conta de possíveis conflitos envolvendo indígenas.

Responsável pela mobilização das tropas, o Ministério da Defesa ainda não sabe quantos soldados estarão envolvidos –nem quanto gastará– nas eleições deste ano. Mas o balanço das operações montadas para a segurança do pleito de 2006 dá uma ideia do tamanho da tarefa: na época, o ministério enviou a 152 cidades um total de 16.082 militares. O custo da empreitada: R$ 16.675.580,00.

 

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