Com o voto do ministro Gilmar Mendes, o julgamento sobre a Lei da Ficha Limpa no STF (Supremo Tribunal Federal) tem, até o momento, quatro votos favoráveis e dois contrários à aplicação imediata da norma já nas eleições de 2010. A Corte julga nesta quinta-feira (23) recurso do candidato Joaquim Roriz (PSC) contra seu enquadramento como ficha suja. Quatro ministros ainda não votaram.
Os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia decidiram seguir entendimento apresentado ontem pelo relator do pedido, Carlos Ayres Britto, para manter a Lei da Ficha Limpa. Já Gilmar Mendes e Dias Toffoli defenderam a constitucionalidade da nova legislação, com a ressalva de que a norma não pode ser aplicada no pleito de 2010.
O resultado ainda pode mudar até o final do julgamento. Isso porque os ministros ainda podem alterar seus votos. Segundo a lei, fica inelegível, por oito anos, político condenado por mais de um juiz por crimes eleitorais (compra de votos, fraude, falsificação de documento público), lavagem e ocultação de bens, improbidade administrativa, entre outros.
Votos
Gilmar Mendes foi o primeiro a dar provimento integral ao recurso de Joaquim Roriz. Ele afirmou não ser contra a Ficha Limpa, mas disse que "todas as leis estão submetidas à Constituição" e que a Corte não pode ceder ao "populismo jurídico". Se "a iniciativa popular tornar inútil nossa atividade, melhor é fechar esse tribunal”, argumentou.
O ministro usou, para fundamentar o voto, precedente do próprio tribunal que, por maioria, decidiu aplicar o artigo 16 da Constituição (princípio da anualidade, citado por Roriz), sob o risco de influenciar o processo eleitoral já em andamento. Para Mendes, o dispositivo é cláusula pétrea da Constituição e deve ser respeitado, além de haver previsão na jurisprudência da Corte para mantê-lo.
“Todos sabem que a escolha de candidatos não é feita da noite para o dia”, disse o ministro. “Não pode ser coerente o argumento segundo o qual a lei é aplicável a esta eleição porque publicada antes das convenções partidárias”, complementou, dizendo que a fase da escolha dos candidatos é chamada de fase pré-eleitoral, segundo a jurisprudência do Supremo.
Sobre a lei ser de autoria popular, Mendes argumentou que “o juiz não precisa buscar aplauso fácil nas ruas”. Segundo ele, “assim se constrói o fascismo”. “Não tenho dúvida de que a Lei da Ficha Limpa é um incomensurável avanço na nossa Democracia”, disse, e finalizou: “A lei poderá ser normalmente aplicada nas próximas eleições”.
Se o voto for seguido pela maioria, todos os candidatos barrados pela Ficha Limpa poderão recorrer e se tornar aptos a concorrer. O mesmo ocorre se os ministros entenderem que a norma possui vício em sua origem.
Antes de decidir sobre o caso de Roriz, os ministros julgaram se a lei teria um vício formal em sua origem. Até agora, a maioria decidiu não analisar o argumento imprevisto, inserido ontem no processo pelo presidente da Corte, Cezar Peluso, que alegou que o texto violou o processo constitucional legislativo, “porque não foram adotadas as exigências de tramitação no caso de emenda”. Ele afirmou se tratar de um “caso de arremedo de lei”.
Entenda o que está em julgamento
Ao julgar o recurso do candidato ao governo do Distrito Federal, o Supremo julga também o futuro da Lei da Ficha Limpa, que impede a candidatura de políticos condenados. Os ministros devem decidir se revertem a cassação do registro de Roriz, barrado no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do DF e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O pedido é o primeiro contestando a lei a ser analisado pela Corte suprema do país, por isso, o entendimento deve respaldar a aplicação da nova norma aos demais candidatos.
Voto do relator
Como relator do recurso, o ministro Carlos Ayres Britto apresentou nesta quarta (22) voto pela aplicação da Lei da Ficha Limpa a todos os candidatos já nas eleições 2010. Segundo Britto, a norma obedece a Constituição e nasceu legitimada pela vontade popular. “Vida pregressa não é vida futura”, afirmou.
Antes do início do voto, o plenário reconheceu repercussão geral do recurso, ou seja, o mérito da questão e a decisão proveniente da análise deverão ser aplicados posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. A sessão foi interrompida por Dias Toffoli, e hoje retomada com seu voto-vista.
O caso
Roriz renunciou ao mandato de senador, em 2007, para fugir de processo de cassação por quebra de decoro parlamentar. A Lei da Ficha Limpa proíbe a candidatura de políticos nessas condições, assim como daqueles que possuam condenações por decisão colegiada (por mais de um membro do Judiciário).
Um dos argumentos da defesa do candidato é de que a lei não se aplica a seu caso, porque a renúncia ocorreu antes da promulgação da norma. Além disso, diz que o ato de renunciar ao mandato parlamentar é garantido constitucionalmente. Segundo a Lei da Ficha Limpa, o político que renunciar para não ser cassado fica inelegível por oito anos após o fim do mandato que cumpriria.
Durante o 1º dia de julgamento da Lei da Ficha Limpa, manifestantes se reuniram em frente ao STF
Os advogados também dizem que a norma viola o princípio da presunção de inocência e não pode ser aplicada nas eleições 2010, sob a tese de que vai contra o artigo 16 da Constituição Federal, que estabelece que qualquer lei que altere o processo eleitoral deve demorar um ano para entrar em vigor. A lei foi aprovada em junho deste ano.
Insegurança jurídica
Em agosto deste ano, o TSE confirmou que a lei retroage, atingindo candidatos com condenações anteriores à norma. Mas, diante da ausência de um posicionamento do Supremo sobre a constitucionalidade da legislação, TREs e o próprio TSE já liberaram concorrentes nessas condições. Ministros do Supremo, em decisões monocráticas, também já liberaram candidatos. Os pedidos são julgados um a um.
O Supremo está dividido sobre o tema, e há grande possibilidade de empate. Nesse caso, mais uma controvérsia pode entrar na pauta do plenário: o chamado voto de qualidade, proferido pelo presidente da Corte para desempatar a questão.
Nos casos de declaração de inconstitucionalidade, há discussão sobre se cabe o mecanismo. Embora o regimento interno da Corte permita o voto, pela Constituição, seria necessária a maioria absoluta dos membros do STF para derrubar uma lei. Se não houver maioria, o empate significa que a lei continua em vigor.