22/09/2010 - 17h40

Relator no Supremo vota por aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa

Rosanne D'Agostino
Do UOL Eleições
Em São Paulo

Em voto como relator do recurso de Joaquim Roriz (PSC) no STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Carlos Ayres Britto, apresentou voto nesta quarta-feira (22) pela aplicação da Lei da Ficha Limpa a todos os candidatos já nas eleições 2010. Segundo Britto, a norma obedece a Constituição e nasceu legitimada pela vontade popular.

“Vida pregressa não é vida futura”, disse Ayres Britto. “A palavra candidato se autoexplica, vem de cândido, puro, limpo, no sentido ético. Tanto quanto candidatura vem de candura, pureza, limpeza, igualmente ética”, defendeu, ao rebater um a um os argumentos da defesa de Roriz.

O Supremo julga hoje o futuro da Lei da Ficha Limpa. Os ministros devem decidir se revertem a cassação do registro de Roriz, candidato ao governo do Distrito Federal, que foi barrado no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do DF e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O pedido é o primeiro contestando a lei a ser analisado pela Corte suprema do país, por isso, o entendimento deve respaldar a aplicação da nova norma aos demais candidatos.

Ayres Britto, cujo voto deve embasar os dos outros ministros, afirmou que a vida pregressa do candidato também está na Constituição. Segundo o ministro, uma lei protetora da probidade não pode ter data, já que preserva um ponto fundamental da gestão pública. "O cumprimento da moralidade pode esperar?", questionou.

Ainda conforme o ministro-relator, a renúncia de Roriz não garante “imunidade a sua inelegibilidade”. “Até porque a renúncia põe fim a uma relação jurídica”, completou. Já sobre o princípio da presunção de inocência, Britto disse que o pedido mistura “coisas heterogêneas”. Para ele, uma coisa é direito ao trânsito em julgado (condenação definitiva, quando já não cabem mais recursos) previsto na Constituição em caso de sentença penal, outra, são as regras de inelegibilidade e a vida pregressa dos candidatos.

“Os direitos individuais têm por pressuposto de gozo, a inação, abstenção do Estado. Sempre foi assim. Os direitos sociais exigem do Estado uma postura de ação. Os direitos políticos não, o sujeito é que se imiscui nos interesses do Estado”, finalizou.

O voto rendeu debate entre os ministros. Gilmar Mendes interrompeu a fala de Ayres Britto, dizendo que direitos políticos também são direitos individuais. “Vamos estar ferindo o núcleo essencial de um direito político, isto feito pela maioria, porque o legislador é que pode fazê-lo. Inclusive escolhendo que pode ou não ser candidato. Veja o poder que se dá ao legislador. Veja a seriedade da questão”, criticou. A mesma posição foi defendida por Celso de Mello.

Em seguida, Ayres Britto classificou de “profilática quarentena” o impedimento das candidaturas, “como um desestímulo a uma conduta de transfugismo do próprio mandato e dar ao renunciante a possibilidade de refletir sobre a reprobabilidade de seu ato de bater em retirada quando acusado de práticas, sobretudo, de corrupção”.

Antes do início do voto, o plenário reconheceu repercussão geral do recurso, ou seja, o mérito da questão e a decisão proveniente da análise deverão ser aplicados posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. Os demais ministros ainda devem apresentar seus votos.

Procuradoria x Defesa
Em seu parecer, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, voltou a defender a manutenção da lei, dizendo que ela “reverencia” a Constituição. Segundo Gurgel, que representa o Ministério Público Federal no julgamento, a decisão do STF trará “inevitáveis reflexos na forma como a sociedade brasileira vê o político e a atividade política” e resta “suficientemente demonstrado que não procedem as inúmeras increpações de inconstitucionalidade” feita pela defesa de Roriz.

Lei da Ficha Limpa reverencia Constituição

Antes, o advogado Pedro Gordilho, que representa afirmou nesta quarta-feira (22) no plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) que a lei é um “casuísmo” que não pode ser permitido pela Corte. O defensor afirmou que não considera a lei inconstitucional, mas diz que a norma não poderia ter sido aplicada em menos de um ano após sua promulgação ou ser retroativa, para alcançar atos antes de sua vigência. “Os casuísmos não podem merecer a chancela do tribunal que vela pela Constituição”, defendeu.

Entenda o que está em julgamento
Roriz renunciou ao mandato de senador, em 2007, para fugir de processo de cassação por quebra de decoro parlamentar. A Lei da Ficha Limpa proíbe a candidatura de políticos nessas condições, assim como daqueles que possuam condenações por decisão colegiada (por mais de um membro do Judiciário).

Um dos argumentos da defesa do candidato é de que a lei não se aplica a seu caso, porque a renúncia ocorreu antes da promulgação da norma. Além disso, diz que o ato de renunciar ao mandato parlamentar é garantido constitucionalmente. Segundo a Lei da Ficha Limpa, o político que renunciar para não ser cassado fica inelegível por oito anos após o fim do mandato que cumpriria.

Os advogados também dizem que a norma viola o princípio da presunção de inocência e não pode ser aplicada nas eleições 2010, sob a tese de que vai contra o artigo 16 da Constituição Federal, que estabelece que qualquer lei que altere o processo eleitoral deve demorar um ano para entrar em vigor. A lei foi aprovada em junho deste ano.

Ao julgar o caso concreto de Roriz, o Supremo pode decidir sobre a constitucionalidade da legislação, se ela vale para este ano e, ainda, se pode ser aplicada para casos anteriores a sua promulgação. Se for considerada inconstitucional, a legislação é revogada. O relator é Carlos Ayres Britto, e o mérito vai ao crivo dos demais ministros no plenário do STF.

Insegurança jurídica
Em agosto deste ano, o TSE confirmou que a lei retroage, atingindo candidatos com condenações anteriores à norma. Mas, diante da ausência de um posicionamento do Supremo sobre a constitucionalidade da legislação, TREs e o próprio TSE já liberaram concorrentes nessas condições. Ministros do Supremo, em decisões monocráticas, também já liberaram candidatos. Os pedidos são julgados um a um.

O presidente do STF, ministro Cezar Peluso, afirmou no início do mês que o assunto seria julgado antes das eleições de outubro, mas um pedido de vista ainda pode adiar o julgamento -caso algum ministro queira analisar melhor o processo antes de decidir.

Para advogados, enquanto a Corte não se decidir, está instalado um quadro de insegurança jurídica nas eleições. O termo “controversa” foi utilizado pela defesa de Paulo Maluf (PP-SP) para classificar a matéria e justificar por que o candidato, mesmo barrado com base na lei pelo TRE-SP, continua concorrendo ao cargo de deputado federal.

O Supremo está dividido sobre o tema, e há grande possibilidade de empate. Nesse caso, mais uma controvérsia pode entrar na pauta do plenário: o chamado voto de qualidade, proferido pelo presidente da Corte para desempatar a questão.

Nos casos de declaração de inconstitucionalidade, há discussão sobre se cabe o mecanismo. Embora o regimento interno da Corte permita o voto, pela Constituição, seria necessária a maioria absoluta dos membros do STF para derrubar uma lei. Se não houver maioria, o empate significa que a lei continua em vigor.

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