03/09/2010 - 07h05

País de candidatas-fruta e presidenciáveis inéditas ainda tem poucas mulheres no poder

Rodrigo Bertolotto*
Do UOL Notícias
Em São Paulo

Umas querem atrair o eleitorado masculino com decotes e roupas justas. Outras buscam o voto feminino discursando que querem ser “a primeira presidente” do país. As presidenciáveis Dilma Rousseff e Marina Silva e as candidatas Mulher Pêra e Mulher Melão são os dois extremos nesta eleição de uma questão a resolver no Brasil: a representação das mulheres no poder.

A União Interparlamentar, organização internacional de parlamentos, coloca o Brasil em 110º lugar entre 140 países em termos de presença das mulheres no Poder Legislativo. Atualmente, o Congresso conta com 8,8% de mulheres. No Senado, o percentual é 12,3%. Este é o segundo pior índice da América do Sul, à frente da Colômbia, que ficou em 113º lugar no levantamento.

 

 

 

“A desigualdade política é muito maior do que a desigualdade social das mulheres no Brasil. Os homens têm mais verbas de financiamento, que é 50% maior que o das mulheres. E os partidos não cumprem a cota de 30% de candidatas”, aponta Teresa Sacchet, professora do departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e autora de vários artigos na área de gênero, desenvolvimento, partidos políticos e cotas.

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu em agosto deste ano que a proporcionalidade deveria ser cumprida. Porém, na prática, isso não deve acontecer na maior parte do país. A determinação consta da Lei nº 9.504, em vigor desde 1997, mas nunca foi cumprida pelas agremiações partidárias, que sempre contaram com a tolerância do Judiciário.

Na opinião da cientista política e professora da Universidade de Brasília (UnB) Lúcia Avelar, vencer o descaso dentro dos próprios partidos é um dos grandes desafios femininos no meio político. "Os partidos são muito refratários. Eles acham que a entrada das mulheres na política não tem a menor importância, e inclusive as enxergam como competidoras, como se elas quisessem tomar o lugar deles", afirma.

Segundo Sacchet, as mulheres ocuparam, em média, 13% das candidaturas para vagas legislativas em 2006 e deve atingir os 23% agora em 2010, ainda abaixo do estipulado por lei. “Ruanda é o país com maior representação feminina, com 56% de seu parlamento. Mas isso só aconteceu no país africano após as lutas étnicas e o genocídio por se acreditar que as mulheres são mais pacifistas. Depois nesse ranking estão os países escandinavos, com mais de 40% dos deputados”, conta ela.

Os candidatos exibem propostas para as mulheres

A reportagem do UOL Notícias procurou as assessorias de imprensa das três principais campanhas para saber quais eram as propostas de cada candidato para políticas para as mulheres.

A equipe de Marina Silva (PV) foi a única a responder, apontando áreas como saúde e violência. Uma das ideias é que a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres tenha suas ações ampliadas com outras áreas e ministérios. A prioridade será a ampliação das creches integrais. Na área da saúde, promete políticas especiais para as gestantes e lactantes, além de combate ao câncer e à obesidade entre as mulheres. Quanto à violência, a promessa é avançar na Lei Maria da Penha e criar um disque-denúncia para casos de agressões familiares.

Já a assessoria de José Serra (PSDB) recomendou vasculhar o site do tucano. Por lá, a proposta em destaque é o programa “Mãe Brasileira”, uma ampliação de plano similar ao da cidade de São Paulo, que garante seis consultas e vales-transportes para a gestante e mais um ano de assistência ao bebê.

Por seu lado, os assessores de Dilma Rousseff (PT) não encaminharam as propostas da candidata apesar das solicitações diárias da reportagem.

Tanto a professora da USP como a da UnB destacam a vizinha Argentina como um país onde a lista fechada alternada (para cada dois homens eleitos uma mulher vai com eles) trouxe resultados práticos – 38% dos congressistas do país vizinho são mulheres, mas as duas apontam poucas esperanças de mudança no Brasil, onde o sistema é de lista aberta. "Sempre que a bancada feminina quer mudar essas regras, é como se fosse uma voz no deserto", afirma Avelar.

Ao contrário do Brasil, a história da Argentina foi marcada por figuras femininas na política. Desde meados do século passado, Evita é mito popular, mesmo impedida de concorrer à vice-presidência de seu marido, Juan Domingo Perón, que cumpriu a missão com sua mulher seguinte, Isabelita, que governou o país entre 1974 e 1976 após a morte do fundador do peronismo. Atualmente, a Casa Rosada tem outra vez uma dona: a também peronista Cristina Kirchner, que sucedeu democraticamente seu marido, Nestor, em 2007.

Mesmo com esse histórico argentino, o primeiro país sul-americano a eleger diretamente uma presidente foi o Chile, com Michelle Bachelet, um ano antes de Kirchner. O Equador e a Bolívia também já tiveram mulheres no poder, porém interinamente.

Os cinco continentes do planeta já tiveram mandatárias. A israelense Golda Meir e a indiana Indira Gandhi estiveram entre as primeiras liderando governos, ainda na década de 60. Na Ásia, a paquistanesa Benazir Bhutto e a filipina Corazón Aquino se destacaram a partir dos anos 80. Na Europa, Reino Unido, França, Noruega, Finlândia, Irlanda, Portugal, Turquia, Letônia, Islândia e Malta tiveram mandatárias.

Entre os países africanos, Senegal, São Tomé e Príncipe e Libéria já foram comandados por mulheres. Na Oceania, a Nova Zelândia já teve duas primeiras-ministras: Helen Clark e Jenny Shipley.

“Nem sempre uma mulher na política vai trabalhar em prol das outras mulheres. A Margaret Thatcher [primeira-ministra britânica entre 1979 e 1990] foi um exemplo nada interessante para a maioria das mulheres”, opina Sônia Coelho, da coordenação nacional do grupo feminista Marcha Mundial das Mulheres.

Para ela, é uma estratégia de conquista de eleitorado ter duas mulheres na corrida presidencial. "A Dilma e a Marina ficam repetindo 'quero ser a primeira mulher' porque querem ganhar o eleitorado feminino."

A feminista acredita que eleger uma “presidente mulher” é mais um símbolo que um marco na presença feminina no poder nacional. Para ela, seria mais importante aplicar políticas para a mulher, em temas prioritários como violência, saúde e desigualdade no mercado de trabalho. “A mídia faz espetáculo em casos como o de Eloá Pimentel, Mércia Nakashima e Elisa Samudio, mas esquece da impunidade com que os homens contam quando matam uma mulher. A violência é a mais dura expressão do machismo”, afirma Sônia Coelho.

Coincidentemente, a candidata a deputada federal Suellem Aline Mendes Silva, cujo nome artístico é Mulher Pêra (PTN-SP), concorda que a legislação deve ser mais dura contra a violência de gênero. “A Lei Maria da Penha tem que ser mais dura ainda”, proclamou a bailarina e funkeira que conta em seu material de campanha com um vídeo em que o senador Eduardo Suplicy pede votos para ela (o petista gravou dezenas desses depoimentos para os candidatos da base aliada). Já Cristina Célia Antunes Batista, o nome por trás da Mulher Melão (PHS), também está de acordo com a feminista que a mulher tem que ter espaço no poder.

Sônia Coelho, contudo, não vê com bons olhos as candidatas frutíferas. “Essas mulheres-fruta têm uma imagem muito estereotipada. Elas devem estar pensando na exposição pública ou no salário. Política não é palco para aparecer. Isso não contribui para a participação das mulheres na política”, polemiza a feminista.

Coelho diz que ainda há muita imposição de comportamento para as mulheres que entram na política. “Exige-se ainda das candidatas um padrão de feminilidade e subordinação. Se ela é durona, com pulso firme, logo rotulam de masculinizadas, como se a coragem fosse uma característica exclusiva dos homens.” Para ela, Dilma e Marina são as mulheres que absorveram as conquistas do movimento feminista.
 

*Colaborou André Naddeo, no Rio de Janeiro

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