31/08/2010 - 21h26

Análise: "Cenário Dilma" - problemas fundamentais do eventual governo

Carlos Melo*
Especial para o UOL Eleições
Em São Paulo

Nenhuma eleição termina antes de encerrada a votação; eleitores pregam peças. Sentar na cadeira de véspera dá azar, FHC sabe disso. Assim, este artigo não pretende antecipar resultados, fazer previsões, externar preferências; não é agouro de nada. Apenas o livre pensar, o exercício de construção do cenário “Dilma” e os problemas fundamentais, iniciais, de seu eventual governo.

A consolidação do Desenvolvimento Econômico e Social estará presente em qualquer cenário, será a agenda da próxima década no Brasil. O vírus do bem-estar e do consumo contaminou a atmosfera do país; a confiança do brasileiro é hoje tão alta quanto a popularidade do presidente Lula. Natural que perdure ou que queira perdurar.

Dar continuidade ao processo, se possível, num ritmo o quanto mais vertiginoso será um trunfo, mas também uma variável de enorme de pressão para o próximo presidente. Crescimento econômico não é questão de fé, de torcida ou de vontade.

A expansão do crédito, empréstimos via BNDES e investimentos de fundos de pensão têm limite. Se no passado qualquer melhora relativa fazia grande diferença, agora o ambiente exigirá melhoras qualitativas: menos e melhores tributos; investimento privado; infraestrutura; novas fontes de energia; modernização de leis; treinamento e qualificação de mão de obra; educação de qualidade; marco regulatório transparente e, claro, continuação da estabilidade da moeda.

Isto requererá um sistema político mais ajustado, funcional e reformista. Desnecessário dizer que não o temos. O menor dos problemas do eventual governo Dilma será a oposição; a oposição e os maiores problemas tendem a surgir do ventre da própria coalizão. O inimigo residirá nas expectativas de aliados e da base social prestes a elegê-la.

Desse modo, sua liderança já é testada mesmo antes de eleita. A começar pela lógica da governabilidade baseada em critérios de distribuição de espaços e poder no governo. Eis alguns dos problemas mais visíveis:

1) Num governo de continuidade, a totalidade dos cargos está tomada. Mas, o natural e previsível aumento das bancadas governistas tende a forçar reivindicação por novos e maiores espaços. Um salto de 20 a 30% na base não pode ser acompanhado por igual aumento de espaço no governo. Cobertor curto em noite de frio. Haverá desapego por cargos? O mais provável é que não.

2) O PMDB terá o status da vice-presidência da República. Se, no início do segundo mandato de Lula, exigiu “ministérios de porteira fechada”, o que exigirá como “sócio” do governo? E como a voracidade não é exclusividade sua, o que dizer dos demais aliados? Como ficará o PT?

3) A confusão é praticamente certa; disputas desse tipo já geraram uma infinidade de conflitos: derrotas no Congresso (CPMF), Mensalão (Correios) e a indústria de dossiês. Impedir essa dinâmica será um imperativo; Dilma não possui o teflon de Lula;

4) “Desenvolvimentistas” versus “monetaristas”. Com FHC, isto se deu na polaridade “Serra versus Malan”; no primeiro Lula, “Dirceu contra Palocci”; no segundo, a ambiguidade “Mantega e Meirelles” sufocada por Lula, mas latente. Qual será a polaridade sob Dilma: “Coutinho versus Palocci”, por exemplo?

5) A política monetária paga o pato do desequilíbrio fiscal ao mesmo tempo em que é também responsável por ele. Como eliminar esse ciclo quando pressões expansionistas estão na concepção do governo e na expectativa da eleição? Cortar e reduzir pressupõe contrariar interesses e incontestável autoridade política;

6) No castelo erguido por Lula, acomodam-se empresários, movimentos e sindicatos que impuseram seus interesses. O ambiente internacional favorável e as condições gerais permitiram o adiamento de reformas impopulares – como a trabalhista, por exemplo --, mas as condições não serão as mesmas. Diante de novas circunstâncias, como persuadir a respeito da importância das reformas?

7) No ano eleitoral, as tais “conferências” incentivaram o corporativismo de vários setores. Natural que surjam reivindicações na formação ministérios e agências reguladoras. Fazê-lo, porém, implicará em gastos e/ou conflitos desnecessários. Como voltar atrás?

Simples seria dizer que “quem tem ‘a caneta’ manda”. Mas, somente a liderança, a articulação política e uma estratégia reformista mais profunda podem equacionar esses problemas. Quem exercerá essa liderança e quem será o articulador? Sob Dilma, a presidência será mais burocrática, gerencial e menos política. No que se refere ao articulador e ao reformismo... Bem, nem sob Lula o tivemos.

Eleita Dilma, a vitoria será atribuída a Lula. Quais serão seu papel e quinhão no governo? Liberto da liturgia do cargo, exercerá liderança e comandará esforços para uma reforma política real, efetiva, capaz de alterar a lógica? Fora do Estado, será um estadista?

Por imperativo, Lula precisará exercer a liderança conquistada; será um governo de Dilma, sob sua liderança política? Um terceiro mandado por outros meios: político e não administrativo; ainda assim, um terceiro mandato? Difícil imaginá-lo de pijamas, jogando damas com aposentados do ABCD. Mas, impossível não admitir que será também muito estranho.

*Carlos Melo é cientista político, doutor pela PUC-SP. Professor de Sociologia e Política do Insper. Autor de “Collor o ator e suas circunstâncias”.

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