18/08/2010 - 07h00

Debates influenciam eleições do mundo todo há 50 anos

Maurício Savarese
Do UOL Eleições
Em São Paulo

Debate de 1960 nos EUA gerou paródias sobre a derrota de Nixon para Kennedy

Maquiagem, treinamento, postura e escolha minuciosa das palavras. Até 1960, ser candidato a cargos majoritários não exigia nada disso. Mas quando o democrata John Kennedy reverteu a vantagem do republicano Richard Nixon e venceu a corrida pela Casa Branca daquele ano, tudo mudou. O debate televisionado, criado para aquela ocasião, passou a ocupar um lugar definitivo nas campanhas eleitorais desde então.

Kennedy e Nixon se enfrentaram quatro vezes na televisão. A vantagem do democrata no fim da corrida presidencial foi de 0,1% do voto popular – embora a vantagem tenha sido maior em favor do democrata no intrincado sistema de eleição indireta nos EUA, por meio de um colégio eleitoral. O fato é que muitos especialistas atribuem o resultado ao primeiro desses encontros na TV.

No dia 26 de setembro de 1960, dia do primeiro debate televisionado entre presidenciáveis, Nixon fez campanha até horas antes de encontrar Kennedy. Machucou sua perna ao descer do carro e irritou-se. Rejeitou maquiagem para atenuar o suor que caía sobre seu rosto. Usou um terno de cor igual à do fundo do cenário. Oitenta milhões de norte-americanos assistiram. A mãe de Nixon telefonou logo depois para saber se ele estava doente. No fim, perdeu.

“Aquele foi o único debate que realmente mudou o resultado de uma eleição. Depois dali, todos aprenderam. Agora os debates influenciam, mas não decidem”, disse Luciano Dias, do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos), ao UOL Eleições. “Os EUA inventaram esse formato e o resto do mundo copiou. Alguns antes, outros depois. Mas o fato é que os principais debates sempre foram os norte-americanos.”

"O senhor não é nenhum Kennedy"

A cultura política norte-americana foi tão marcada pelos debates que recentemente um site influente em Washington listou os melhores momentos nesse tipo de programa nos últimos 50 anos. A posição número um ficou com uma ironia bastante agressiva na eleição de 1989. Mas os astros não foram presidenciáveis: foram seus candidatos a vice.

“Tenho tanta experiência no Congresso quanto Jack Kennedy tinha quando buscou a presidência”, disse o republicano Dan Quayle, vice de George H.Bush e tido como um dos políticos mais detestados e ridicularizados da história recente dos EUA. Seu oponente, Lloyd Bentsen, companheiro de chapa do democrata Michael Dukakis, não perdoou a ousadia do adversário, que, apesar disso, acabaria vencedor das eleições.

“Senador, eu trabalhei com Jack Kennedy. Eu conhecia Jack Kennedy. Jack Kennedy era meu amigo. Senador, você não é nenhum Jack Kennedy”, afirmou. Quayle rebateu: “Essa foi realmente desnecessária, senador”. Mas Bentsen insistiu. “Você é que fez a comparação, senador.”

Papel de assessora para Hillary

O atual presidente dos EUA, Barack Obama, teve seus principais momentos em debate antes da campanha oficial. Foi em um encontro com vários pré-candidatos à Casa Branca que ele ofuscou sua principal rival, Hillary Clinton, e começou a ganhar terreno. Questionado por uma repórter sobre os motivos de ter tantos assessores do ex-presidente Bill Clinton em sua equipe, Obama ouviu Hillary rir alto da pergunta.

“Hillary, estou ansioso para você me assessorar também”, rebateu o então pré-candidato. A ex-primeira-dama hoje é secretária de Estado norte-americana.

Europa
Na França, há várias compilações de duelos políticos na TV e um dos momentos mais lembrados data de 1974 – ano em que o Brasil completava dez anos sob ditadura militar. Na ocasião, a vitória do conservador Giscard d’Estaing sobre o progressista François Mitterrand ficou marcada por uma frase dita em debate e que se transformou em lema. “O senhor não tem o monopólio do coração.”

Série de momentos marcantes na França

Também marcante na França foi o debate de 1988, quando Mitterrand enfrentou seu primeiro-ministro, o conservador Jacques Chirac. No sistema de governo francês, na chamada coabitação, presidente e premiê têm funções complementares, mas nenhum dos dois tem poder de demitir o outro. Durante o embate, Chirac acusou Mitterrand de querer diminui-lo, ao chamá-lo de primeiro-ministro repetidamente.

“Esta noite, eu não sou o primeiro-ministro. E o senhor não é o presidente da República. Somos dois candidatos. Iguais e que se submetem ao julgamento dos franceses. É isso que importa”, criticou Chirac. Mitterrand, no entanto, não concedeu: “De qualquer forma, tem toda a razão, senhor primeiro-ministro”.

Se na França os debates na TV tinham todo o vigor já há 40 anos, enquanto o Brasil estava dominado pela censura, o Reino Unido, mesmo sendo um dos celeiros da liberdade política mundial, só adotou o formato neste ano. Na monarquia parlamentarista, o premiê é visto como expressão máxima de um partido. O formato consagrado nos EUA é visto como eminentemente presidencial.

Britânicos são novatos no debate na TV

Ainda assim, o então premiê trabalhista Gordon Brown, o conservador David Cameron e o liberal-democrata Nick Clegg fizeram três debates antes da eleição que destronou Brown e colocou os outros dois candidatos no poder. Sem intimidade com o formato televisivo, raros foram os momentos de confronto aberto - diferentemente do que acontece todas as sextas-feiras na Câmara dos Comuns, análoga à Câmara dos Deputados, onde semanalmente o primeiro-ministro é duramente questionado pelos rivais.

Nos debates televisivos, o momento que se destacou - em quase seis horas de enfrentamento entre os três - foi um simples "Caia na real, Nick", proferido por Brown ao criticar ideias do liberal-democrata na área de política externa. Nada da vivacidade das discussões em que os mesmos três adversários, no Parlamento, acusavam-se de fracos, mentirosos, ridículos. Precisarão de mais 50 anos para aprender como se faz? 

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