22/07/2010 - 07h05

Em ano de eleições, política invade império adolescente dos vlogs

Rodrigo Bertolotto
Do UOL Eleições
Em São Paulo


Egocêntricos. Superficiais. Desbocados. Cáusticos. Fragmentados. Banais. Os vlogs e os vloggers são tudo isso. Ou só parte. Mas eles também falam de coisa séria, como política. Afinal, o assunto invadiu o noticiário em 2010 com as eleições gerais marcadas para outubro.

“O que vejo na TV e em propagandas é muito mais politicamente incorreto e lavador-cerebral do que qualquer vlog que vi na vida. Acho que pode ajudar na conscientização se o vlogger tiver capacidade para isso. Não adianta entrar com papo de cartilha porque as pessoas vão parar de ver o vídeo na metade, ou só vão esperar o cara começar a xingar em algum momento e não vão prestar atenção.”

O autor do parágrafo acima é o paulista PC Siqueira, um ilustrador de quadrinhos que, com 16,5 milhões de acessos em seus vídeos, é o vice-líder nacional de audiência entre os vlogeiros, essa gente que expõe em vídeo sua vida e opiniões pelos computadores.

A edição de imagens é toda cortada. O apresentador distribui caras, bocas e palavrões para manter a atenção do internauta. Esse é o estilo dos vlogs, que, em alguns casos, já virou uma fórmula manjada. Como tudo na Internet, a mania começou nos EUA, mas só pegou no Brasil recentemente. E é um fenômeno principalmente adolescente – 80% do público têm entre 13 e 17 anos, segundo números do site Youtube, a principal plataforma dessa produção audiovisual . E seu tipo de espectador está em busca de diversão e polêmica.

  • Paulo César Siqueira, 24, é ilustrador e colorista de histórias em quadrinho, mas fez fama como vlogger

“O que vemos nos vlogs são pessoas falando sobre temas extremamente fúteis e arrebanhando milhões de 'views' e comentários. Os assuntos vão de Crepúsculo, vuvuzelas à colírios da revista Capricho. Ou seja, se esse for o pensamento do jovem eleitor, vamos continuar a ver vampiros no poder. E, infelizmente, eu não estou falando do Edward Cullen”, critica Mateus Bassan, vlogeiro outsider de Brasília. Ele parece estar falando da receita do campeão de popularidade dos videoblogs, o ator carioca Felipe Neto, que já acumulou mais 18 milhões de acessos. A reportagem do UOL Eleições o procurou para falar de política, mas ele se negou: prefere continuar falar dos temas adolescentes que ele odeia.

“Se considerarmos toda a amplitude de vlogs, desde os que possuem mais visualização aos que possuem menos, os assuntos que predominam são os que falam sobre coisas simples do cotidiano. Raramente vemos pessoas tocando em algum tema político, seja por falta de conhecimento dos autores ou porque é um assunto que não dá audiência”, resume Leandro Zayd.

Entre vários vídeos humorísticos, Leandro postou no Youtube também um vlog em que sugere que a democracia poderia ser substituída por uma similar mais de acordo com os nossos tempos: a “internetecracia”. Nela, o cidadão poderia votar pela web em toda e cada lei. Seria um regime plebiscitário, em que os referendos populares funcionariam como enquetes. E o melhor: os políticos profissionais estariam dispensados, junto com seus salários polpudos. Esse vídeo teve pouco mais que 300 acessos.

Leandro diz acreditar em uma fórmula para atrair para temas sérios as pessoas que estão atrás só de baboseiras na web. “Se os vlogs querem contribuir para essa realidade, devem associar às áreas em que as pessoas são mais individualistas com as implicações que decorrem da política. Começar e terminar falando de política só vai dizer algo para quem já se interessa pelo assunto. Talvez o segredo seja começar falando das coisas do cotidiano que gosta ou não gosta e, a partir daí, orientar o raciocínio para um sentido mais amplo”, teoriza.

A postura é comum a outros vlogeiros. “Eu acredito que é dever dos vloggers ajudar a conscientizar a população, pois, querendo ou não, um vlog também é um meio de comunicação, embora pouca gente o considere assim”, acredita Danilo Alves Ramos, um estudante de computação de Aracaju (Sergipe) que também é um “microvlogger”, com espectadores que chegam a duas centenas.

O popular PC Siqueira também concorda. “O poder de comunicação de um vlog conhecido é enorme, às vezes até me surpreendo. Mas não creio que usar como ferramenta de propaganda política seja o caminho. Principalmente em época de eleições, é muito fácil pender para um lado e ser mal interpretado”, afirma o vlogger.

  • O ator carioca Felipe Neto, 22, ficou popular na web espinafrando a saga adolescente Crepúsculo

“Às vezes, trato de assuntos que uma pessoa mais sensível pode fazer uma abordagem política, mas para o público geral, não. Penso em fazer minha parte nesta época delicada. Acho que a minha responsabilidade está muito abaixo do ato de influenciar as pessoas com minha popularidade. Acho isso uma coisa um pouco perigosa”, completa o cybercomunicador.

A vantagem do vlog em relação às TVs é poder ser “o Roberto Marinho de si mesmo”. E disso eles estão conscientes. “Os vlogs têm a liberdade que a TV não tem. Lá, pode ser falado o que jamais você vai ouvir em um programa de humor da televisão brasileira, por mais pesado que ele seja. O tom será sempre do politicamente incorreto”, decreta Mateus.

Para Leandro, os vlogs são “tendenciosos por natureza”. “Não há censuras ou cortes por parte de uma hierarquia superior, por isso a expressão do que é dito é a manifestação mais próxima daquilo que a pessoa pensa.”

Por outro lado, essa falta de censura eleva e muito o grau de egocentrismo. “Concordo que seja um exercício de individualismo. No entanto, faz sucesso justamente porque outras pessoas acabam se identificando com essa individualidade. Acredito que elas acabam se vendo nas opiniões iguais do cara do vídeo. Eu creio que se fizessem alguma campanha por meio de vlog, seria um fracasso. Justamente por ser algo individual. E por ser individual, quando se tenta usar isso de forma coletiva, perde sua identidade”, sentencia.

Segundo Mateus, os exageros da atualidade vão dar lugar a um formato consagrado no futuro. “Acho que os vlogs serão como os blogs. Extremamente criticados, mal utilizados e egocêntricos em seu nascimento, mas, extremamente útil e informativo no futuro. Acho que é questão de tempo para o amadurecimento dos vlogs começar acontecer.”

Por agora, os vloggers agradecem a audiência, mas não acreditam muito na consciência política de seus seguidores. “Acho que o eleitor jovem pensa muito pouco sobre política. Geralmente votam mais por obrigação”, afirma PC Siqueira. “Temos que considerar que boa parcela dos jovens que fazem uso da internet simplesmente ignora conteúdos de natureza política ou que exijam um bom nível de abstração intelectual, já que muita gente se contenta em usar a internet apenas para cuidar de seus status nas redes sociais, para jogar ou para se divertir”, completa Leandro.

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