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22/08/2008 - 15h33

Presidente da Viva Rio diz " Forças Armadas não vão resolver"

Thyago Mathias
Especial para o UOL
Do Rio de Janeiro

Fundador e diretor-executivo do Viva Rio, ONG que atua na pesquisa e formulação de políticas públicas para a cultura de paz e o desenvolvimento social, Rubem Cesar Fernandes concedeu entrevista exclusiva ao UOL, em que diz não acreditar que o envio das Forças Armadas resolva a insegurança na campanha eleitoral . Ele ainda critica a proposta de armar a guarda municipal feita por candidatos à prefeitura.

UOL - O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Carlos Ayres Britto, pediu nesta quinta-feira (21) a presença das Forças Armadas e da Força Nacional de Segurança para ajudar nas eleições do Rio. A vinda dessas tropas resolverá a aparente insegurança que tomou conta da campanha eleitoral?

Rubem Cesar Fernandes - Eu sou, em geral, favorável à participação das Forças Armadas para resolver os problemas de segurança do Rio de Janeiro, no espírito de somar e tentar resolver essa situação. Agora, em relação à eleição, o efeito não é muito especial. Acho que as Forças Armadas têm um efeito psicológico, mas o problema é mais interno das comunidades, não é uma situação de confronto. É a situação do morador que se sente constrangido para participar mais ativamente.

Que medida, então, seria mais efetiva?
Eu acho que outro instrumento mais ativo seria uma ação maior da Justiça Eleitoral nessa história dos candidatos com processos. A mim, resolveria mais impugnar as candidaturas do que estão por aí, do que o domínio armado com presença militar. A presença das Forças Armandas não faz mal, mas não vai fazer muito bem, não. Não vai fazer muita diferença, porque você tem dois níveis de problema: um é o domínio cotidiano interno dessas comunidades. A presença externa da força militar não vai mudar essa situação interna, porque, para bom entendedor, quem manda ali é quem manda ali sempre. Outra questão é a de que a disputa eleitoral está sendo inibida. Nessas comunidades dominadas, não se têm outros candidatos. Sei que existem nelas possíveis bons candidatos, com histórico de participação, liderança e vinculados à defesa de interesses locais, mas que não têm liberdade para fazer campanha, têm medo de fazer campanha e também de se candidatar. A presença do exército ali não vai mudar em nada isso, pois esse bom candidato não pode fazer campanha.

  • Divulgação

    Rubem Cesar, da Viva Rio: "mais do que Forças Armadas, resolveria a impugnação dos candidatos criminosos"


    O que a Justiça Eleitoral poderia fazer, concretamente, para reverter esse panorama?
    Uma intervenção mais direta da Justiça Eleitoral pede a impugnação de candidaturas. Eu sei que há restrições legais, constitucionais, mas a própria Justiça parece incapaz de agir de uma forma mais efetiva. Ela precisa de provas, precisa de julgamento, mas se você for esperar o julgamento, com todas as apelações em cada processo, não vai resolver nunca. Vai passar a eleição, vai passar a legislatura e a causa vai continuar rolando na justiça. A Justiça Eleitoral precisa criar meios mais ágeis de atuar, porque se trata de uma situação totalmente nova no Rio de Janeiro.

    Como a situação chegou a esse ponto?
    O tráfico age no Rio há mais de 20 anos, mas essa politização do poder local, essa estratégia de fazer vereadores é uma novidade. As milícias já existem também há mais tempo, mas estavam mais restritas à Baixada - tem uma longa história na Baixada envolvendo políticos e grupos paramilitares - mas agora está ganhando domínio completo das regiões de crescimento mais recente no Rio, como a zona oeste, regiões que têm menos instituições da sociedade legal em funcionamento. Às vezes, até a Igreja Católica não consegue entrar ali, tanto que tem poucas paróquias na zona oeste. Batalhão da polícia militar também leva tempo para se instalar. As instituições todas são muito precárias, seja da vida pública, da vida religiosa, da vida artística. Os bandidos expandiram-se e agora querendo lançar braços na política. Ocorre uma transformação na vida pública desses locais , que é muito grave, que é o uso da política local e a transformação das bases da representação democrática.

    Se essas instituições não conseguem entrar nas comunidades, como as forças federais conseguirão entrar, agora?
    A presença do exército é mais aquele jogo de cena. Ou se consegue intervir no processo das candidaturas ou então as Forças Armadas ou medidas semelhantes não vão fazer diferença. Quando há um grande evento, o exército vem e monta uma operação, o que é interessante. Dá a impressão de que toda a nação está participando. Mas cerca o problema, em vez de entrar nele direto. E entrar no problema envolve, sim, mudar os pontos da Constituição de 1988 em relação à segurança, porque cada ponto desses é muito amarrado, muito cheio de restrições.

    Por um momento, alguns candidatos chegaram a elogiar a ação das milícias. O que é pior para essas comunidades, a ação de traficantes ou de milicianos?
    O que é pior: a dor de garganta ou a dor de dente? Quando você mora em uma localidade de domínio da milícia, você sente os problemas da milícia. Se mora perto do tráfico, sente os problemas do tráfico. Cada um tem suas características de domínio. Existem traficantes dos quais a comunidade gosta, só que isso é muito instável, porque ele morre e entra outro pior. Com a milícia é a mesma coisa, eles começam estabilizando a situação e depois passam a disputar nichos de poder e dão início a uma situação de terror. São duas dinâmicas perversas, inversamente organizadas e já têm acontecido negociações entre elas, por terreno. São duas formas de crime organizado gravíssimas.

    Também foram defendidas propostas de armar a guarda municipal. Essa seria uma estratégia positiva?
    Armar a guarda municipal não vai resolver, pelo contrário. O fato de a guarda do Rio não ser armada tem até a preservado de toda a confusão que envolve confrontos e violência armada com o narcotráfico. Pelo fato de não ter armas, ela se especializou em pequenos delitos, cujo combate é fundamental para a qualidade de vida. Eles não entram na chamada "guerra". Eu acho que isso é um trunfo, uma qualidade da Guarda Municipal. O que não falta, no Rio, é arma na mão das polícias. Falta, sim, planejamento, bom policiamento e a integração das ações táticas. Trazer armas pra guarda é perder a oportunidade de um futuro promissor dessa instituição, enquanto a própria polícia militar e outras instituições estão tomadas pela violência e pela corrupção.

    E quanto a equipá-la com armas não-letais?
    Essa é uma discussão que teria que envolver a própria guarda, pois se dá em cima das práticas dela. A arma não-letal pode até ser útil, mas eu a colocaria em uma unidade só, porque não se precisa de toda a guarda armada. Existem boas polícias no mundo que nunca atiram e quando precisam atirar chamam os colegas que estão preparados e acostumados a lidar com situações de confronto, que são raríssimas. Eles conseguem ter esse tipo de especialização. Pelo tipo de trabalho da guarda municipal, eu acredito que esse tipo de "truque especial" seria prudente apenas se restrito a um contingente pequeno, em situações especiais. Eu até acho que a tendência é de aumentar as funções da guarda e, aí, a existência de uma unidade com armas não-letais seria necessária, mas isso só com a reestruturação e a reorganização das várias polícias. Hoje, a gente ainda não está nesse estágio e corre-se o risco de se propor a armar a guarda como um apelo por mais armas, por mais gente armada, nas ruas e espaços públicos. E para mim isso não é solução, isso é problema.

    O Viva Rio pretende participar ou promover campanhas pelo "Voto Livre"?
    A gente tem trabalhado junto com a Comissão de Segurança da Câmara Federal, com o deputado Raul Jungmann, pelo Voto Livre. A Comissão de Segurança tem sido uma liderança que chama as instituições e provoca reações. O problema é que em várias comunidades aonde essa campanha pudesse ser levada, há muito medo. Até para se mostrar o que é liberdade e o que é voto livre, seria preciso mostrar a cara de pessoas que, se houvesse liberdade, estariam se candidatando. Aí, sim, uma manifestação dessas teria mais valor. A gente tem se perguntado e perguntado aos candidatos - e eles são muito resistentes a isso, pois, na prática, estariam expondo essas pessoas à morte. Nesse caso, ninguém está fazendo campanha por princípios gerais, mas por pessoas locais. Então, só vamos entrar em campanha para valer se essas lideranças concordarem.

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