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02/10/2006 - 19h42

Inácio Arruda é primeiro senador comunista no país desde Prestes

Por Mair Pena Neto

RIO DE JANEIRO (Reuters) - O servidor público e eletrotécnico Inácio Arruda, 49 anos, tornou-se o primeiro senador comunista eleito no Brasil desde Luis Carlos Prestes, o lendário "Cavaleiro da Esperança", que exerceu mandato em 1946, na redemocratização do pós-guerra.

"Prestes foi uma liderança política histórica e sucedê-lo, mesmo que em uma situação política completamente diferente da do seu tempo, é uma grande responsabilidade", comentou Arruda, acrescentando que para a democracia brasileira "é muito importante o nosso partido estar no Senado".


COMUNISTAS E SOCIALISTAS
Reuters
O senador Inácio Arruda ao centro (de barba), com o governador Cid Gomes
ELEIÇÃO NO CEARÁ

O Partido Comunista do Brasil (PCdoB), ao qual Arruda é filiado, já possui um senador, Leomar Quintanilha, mas ele foi eleito pelo PMDB e depois transferiu-se para o partido comunista.

Integrante do Comitê Central do PCdoB, dissidência do Partido Comunista Brasileiro (PCB), ao qual pertenceu Prestes, Arruda leva para o Senado a preocupação com a sua terra, o Ceará, em particular, e com o Nordeste, em geral.

"Quem vive nessa região tem que conhecê-la e explicitá-la para o Brasil", defendeu.

"O Ceará é semi-árido e tem gente que pensa que nosso semi-árido é como o de Israel ou da China. Só que estamos em cima de um cristalino, o que torna nossa realidade muito mais inóspita. Ao mesmo tempo, tem uma mata sobre essa pedra que é a caatinga. Isso é pouco compreendido", disse, escrevendo com entusiasmo a paisagem nordestina e deixando claro que terá em mente as particularidades da região.

Como todo partido comunista, o PCdoB de Arruda tem o socialismo como meta, e uma de suas tarefas será lutar por esta bandeira pela via democrática.

"Não existe modelo pronto para o socialismo. Cada nação vai vivendo a sua experiência", disse Arruda. "As forças conservadoras brasileiras sempre procuraram travar o projeto de desenvolvimento do Brasil pela violência. E o processo democrático sempre foi retomado pela população nas ruas, com apoio dos setores de esquerda."

E qual o papel de um partido comunista na democracia formal multipartidária?

"A radicalidade possível", respondeu de pronto. "O PCdoB nessa fase de retomada da vida democrática brasileira tem atuado com grande amplitude. Só foi possível elegermos um senador no Ceará com uma ampla aliança política. Radicalidade nesse momento é unir forças políticas para ter um projeto de Brasil", defendeu Arruda, traçando o perfil do PCdoB, que chegou a ser um dos poucos partidos no mundo a seguir a linha albanesa ortodoxa de Enver Hoxa.

Arruda lutou pela legalidade do PCdoB, um dos partidos proscritos durante o regime militar no Brasil. O PCdoB surgiu da cisão com o PCB, provocada pelo relatório de Nikita Kruschev, durante o 20o Congresso do Partido Comunista Soviético, em 1956, denunciando o culto à personalidade e os crimes políticos de Josef Stálin.

Um grupo de dirigentes que considerava o PC soviético revisionista rompeu com o PCB e deu origem ao PCdoB, em 1962, "para lutar contra o oportunismo de direita". O PCdoB alinhou-se inicialmente ao PC Chinês e mais tarde à Albânia.

Durante o regime militar no Brasil, o PCdoB aderiu à luta armada e, em 1972, montou um foco guerrilheiro na região do Araguaia, no sul do Pará, dizimado pelas Forças Armadas três anos depois. Dentre os guerrilheiros do Araguaia estava o ex-presidente do PT José Genoino, afastado do cargo após a crise do mensalão e agora reeleito deputado federal.

O PCdoB voltou à legalidade em 1985, ano em que apoiou a candidatura indireta de Tancredo Neves à Presidência da República. Desde a primeira eleição direta no Brasil, após a redemocratização, o PCdoB é aliado do PT nas eleições presidenciais.

No congresso do partido de 2003, foi aprovado um documento pregando "buscar o êxito do governo Lula na consecução de um projeto democrático, nacional-desenvolvimentista". Segundo Arruda, foi preciso segurar a economia e começar a desenhar esse caminho novo.

"O Brasil teve que tratar o endividamento externo, se livrar da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), retomar projetos de infra-estrutura", enumera. "A Petrobras foi chamada a investir na produção naval e houve expansão do ensino superior. Esse é um começo, um traço, como faria Niemeyer", comparou Arruda, referindo-se a outro comunista histórico, o arquiteto Oscar Niemeyer, um grande amigo de Prestes.

Inácio Arruda exerce mandatos desde 1988, quando elegeu-se vereador em Fortaleza. Depois foi eleito deputado estadual em 1990 e deputado federal em 1994, reelegendo-se sucessivamente até 2002.

(Por Mair Pena Neto)