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"A crítica é muito difícil na Bahia", diz candidato do PSOL

Larissa Morais
Da Redação, em São Paulo

O servidor público Hilton Coelho foi militante petista da adolescência até o ano passado. Integrante da Ação Popular Socialista, corrente do deputado federal Ivan Valente (SP), ele se filiou ao PSOL porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT teriam deixado de lado o projeto original do partido. Aos 35 anos, Hilton é o candidato de seu novo partido ao governo da Bahia.

Para Hilton, o objetivo da candidatura é mostrar aos baianos que os projetos do PT e do PFL não são os únicos caminhos. "O governo da Frente da Esquerda vai procurar ser uma liderança do povo, e não de pequenos grupos econômicos", afirma.

O candidato do PSOL critica a "guerra das placas" - a guerra entre o governador Paulo Souto (PFL) e o ex-ministro Jaques Wagner (PT) a respeito de quem fez mais pela Bahia, o governo estadual ou o governo federal. "É uma disputa marcada pela mediocridade dos projetos do ponto de vista do retorno para a população", diz.

Hilton considera que não há diferenças relevantes entre os dois principais candidatos ao governo do Estado, assim como Heloísa Helena diz que a polarização entre Lula e Geraldo Alckmin (PSDB) é falsa. "Não se vê uma crítica dura de Wagner às posições políticas do grupo de ACM, até porque nacionalmente eles têm tido muita identidade", diz.

O candidato do PSOL atribui o fraco desempenho de sua candidatura nas pesquisas ao fato de ser desconhecido do eleitorado, apesar da trajetória nos movimentos sociais baianos. Mas ele afirma que a população tem recebido bem as propostas, e diz acreditar que haverá transferência de votos de Heloísa Helena para os candidatos da Frente de Esquerda no Estado.




UOL - As pesquisas têm indicado grande polarização entre Paulo Souto e Jaques Wagner. Existe espaço para uma alternativa mais à esquerda na Bahia?



Hilton Coelho - Achamos que existe, pois a disputa é feita com base em posições políticas. Hoje Wagner tem declarado abertamente, por exemplo, que uma das estratégias centrais é atrair a chamada "banda B" do PFL. Do ponto de vista da política de alianças, é difícil perceber diferenças em relação à lógica dos dois grupos. Do ponto de vista programático, não se vê uma crítica dura de Wagner às posições políticas do grupo de ACM, até porque nacionalmente eles têm tido muita identidade. O conjunto de reformas que Lula propôs - Previdência, tributária -, a política de juros altos, tudo isso tem contado com o apoio do PFL nas principais posições. Por isso a crítica é muito difícil na Bahia. Por exemplo, é muito difícil Wagner criticar a situação da saúde no Estado, quando o governo federal cortou mais de R$ 600 milhões nacionalmente. Da mesma forma, como criticar a situação da educação na Bahia, quando Lula cortou milhões do orçamento? Existe uma dificuldade muito grande de Wagner fazer uma crítica profunda, com autoridade política, ao projeto do grupo carlista no Estado.



UOL - É possível fazer um paralelo entre a situação da Bahia e a polarização entre Lula e Alckmin, classificada por Heloísa Helena como falsa?



Hilton - Com certeza. Existe tanto uma falsa polarização nacional, como uma falsa polarização regional. Não podemos esquecer que são lideranças políticas referenciadas em posições nacionais, que condicionam fortemente a vida do Estado. É impossível pensar num modelo de desenvolvimento que modifique estruturalmente a situação dos Estados sem discutir, por exemplo, a lei de responsabilidade fiscal, que hoje está relacionada à questão da dívida externa, que por sua vez condiciona os Estados à camisa de força do orçamento e retira a capacidade de investimento. Por exemplo, aqui na Bahia foi feito um acordo nos governos de ACM e César Borges, finalizado com Paulo Souto, da dívida do Estado com a União que comprometeu um quarto da arrecadação do Estado - ou seja, comprometeu a capacidade de investir nas áreas sociais e particularmente na geração de emprego e renda. Essa política foi acordada entre Lula e Souto, e obviamente Wagner não irá questionar. Outro elemento importante é a transposição do rio São Francisco. Enquanto Lula tenta impor o projeto, o governo Souto nada faz pela revitalização do rio. Apesar de o governador se dizer contra o projeto, a alternativa não é matar de vez o rio, como Lula está pretendendo, nem deixar que o rio morra aos poucos, sem a revitalização que seria responsabilidade principalmente do Estado.



UOL - Qual a avaliação da Frente de Esquerda na Bahia dos 16 anos do PFL no governo estadual?



Hilton - Houve um interstício, mas esse grupo tem o controle da política na Bahia há cerca de 40 anos, desde a época de Lomanto Júnior (1963-1967), no período da ditadura militar. Perdeu o espaço no governo de Waldir Pires (1987-1989). A responsabilidade desse grupo por uma lógica de desenvolvimento excludente, que cria números extremamente dramáticos do ponto de vista social, é enorme e vai além desses 16 anos. De fato, a partir do início da década de 90, quando ACM reassume, esse projeto ganha uma conotação ainda mais perversa. ACM esteve muito sintonizado com as políticas neoliberais - tanto que a Bahia foi um laboratório da implementação delas, na saúde, na educação, nas privatizações do Baneb, da Telebahia e da Companhia de Navegação Baiana. O carlismo foi pioneiro no enfraquecimento do Estado e na adoção de uma lógica desindustrializante e de abandono de culturas econômicas que tinham expressão no Estado. A lógica de desenvolvimento de ACM foi baseada em serviços e turismo - um conjunto de pequenas e médias empresas faliu e culturas como feijão, cacau e tantas outras foram completamente secundarizadas. Isso gerou uma situação de exclusão fortíssima. Inclusive, o governo vem falando em crescimento da Bahia maior que do Brasil, mas o PIB do Estado atualmente é quase o mesmo do início da década de 90. Praticamente não tivemos crescimento econômico, porque as gestões de ACM e César Borges fizeram com que o PIB caísse de maneira significativa. Houve alguma retomada no governo de Souto, mas os índices sociais mostram que esse modelo de desenvolvimento não tem impacto na qualidade de vida do nosso povo. É preciso dizer que hoje a Bahia tem o pior quadro em número de famílias em situação de pobreza do Brasil, apesar de o governo falar tanto em crescimento industrial. Desenvolvimento econômico de fato não existe em nosso Estado, porque isso não se mede apenas pelo crescimento da indústria. Aliás, Salvador voltou a ser a capital do desemprego.



UOL - Souto e Wagner disputam quem investiu mais na Bahia, o governo estadual ou o governo federal. Quem está certo nessa disputa?



Hilton - É a chamada guerra de placas - quem é o dono da obra. É uma disputa marcada pela mediocridade dos projetos do ponto de vista do retorno para a população. Muito pouco tem sido feito pelo desenvolvimento do Estado. O governo Lula, por exemplo, liberou milhões para o agronegócio, para a plantação de eucalipto, e nós sabemos o impacto disso no meio ambiente, além de gerar pouco emprego e renda. Mesmo na arrecadação de impostos dessas empresas o retorno é insignificante. Os dois projetos estão marcados por essa lógica centralizadora, excludente e comprometedora de nosso futuro.



UOL - O PT não seria alternativa ao PFL, portanto. Em caso de haver segundo turno entre Souto e Wagner, vocês cogitam apoiar alguém?



Hilton - Nós ainda não fizemos esse debate. Até agora temos disputado nossa posição, colocando claramente a idéia de que é possível um novo modelo de desenvolvimento para a Bahia, e que os projetos de Lula e Souto não são os únicos caminhos.



UOL - Qual é sua proposta para a questão da dívida?



Hilton - Antes de tudo é preciso dizer que o governador é uma liderança política, então um governo da Frente de Esquerda Socialista vai procurar ser uma liderança do nosso povo, e não de pequenos grupos econômicos. Esse acordo feito em relação à dívida do Estado com a União foi extremamente prejudicial para a capacidade de investimento, mas sabemos que foi feito porque contempla os interesses de pequenos grupos econômicos. Um governador da Frente de Esquerda será contra absurdos como a lei de responsabilidade fiscal, uma forma de canalizar os recursos do Estado para pagar a dívida externa. Segundo, nós vamos colocar em pauta a questão da desigualdade regional. Hoje o governo Lula tem a política de deixar tudo como está, e não responde às desigualdades regionais que existem em nosso país. A questão da dívida dos Estados, do nosso Nordeste particularmente, precisa ser discutida à luz de uma realidade social dramática. Estamos propondo um amplo debate na sociedade baiana e a mobilização social para sentar e fazer uma negociação com o governo federal, não de cúpula, mas com a legitimidade de um debate profundo nos diversos grupos da sociedade baiana.



UOL - Você defende auditoria e suspensão do pagamento da dívida?



Hilton - Defendemos uma renegociação que leve o Estado a retomar pelo menos 80% dos 25% destinados ao pagamento da dívida com a União, para aumentar a capacidade de investimento. Achamos que esse debate, se for feito de maneira profunda com a sociedade, dificilmente qualquer governo federal poderá fugir.



UOL - Quais são as principais propostas de governo para as áreas sociais?



Hilton - Uma questão importante de nosso projeto é a reforma agrária. Hoje temos uma enorme quantidade de terras. O governo do Estado se recusa a fazer uma pesquisa séria, mas especialistas apontam que no mínimo 70% das terras da Bahia são devolutas - ou seja, são do Estado e foram apropriadas indevidamente, na maioria das vezes por latifúndios do agronegócio. Vamos retomar essas terras através da identificação delas e iniciar a reforma agrária. Nossa idéia é fazer com que isso gere uma nova cadeira produtiva. A partir da produção agrícola, pretendemos passar pelo apoio técnico, pela criação de uma rede de entrepostos que viabilize o armazenamento da produção (um problema gravíssimo para os pequenos produtores), no sentido de garantir a comercialização de maneira digna, e por fim, estimular a formação de cooperativas que processem essa produção. A idéia é sair da terra e chegar até a mesa do ponto de vista de uma industrialização da pequena e média empresa e de cooperativas, o que pode gerar uma quantidade formidável de empregos no nosso Estado. Quanto à educação, nosso projeto está relacionado a um novo modelo de desenvolvimento também. É preciso que a educação reflita as potencialidades do ponto de vista cultural, social e econômico de cada região, dentro da lógica de descentralização do desenvolvimento. A escola integral vai ocupar um espaço importante em nosso modelo, e também aproximar relações entre as universidades estaduais e federais. Por que não produzir o material didático, a partir da realidade de cada região, em vez de trazê-lo de São Paulo? Nossa principal proposta de saúde é o fortalecimento do SUS, que consideramos uma idéia avançada e que poderia atender às necessidades da população, mas que é boicotada porque não existe interesse de que o SUS funcione. Vamos viabilizar um SUS de qualidade, priorizando os postos de saúde e ambulatórios, e não a lógica hospitalar que concentra tudo no hospital central do Estado. É preciso desafogar os grandes hospitais e, por fim, implementar um projeto amplo de medicina preventiva, valorizando e ampliando o quadro de profissionais.



Você acha que na reta final da campanha ainda é possível transferir a popularidade e os votos de Heloísa Helena à sua candidatura?



Hilton - Antes de tudo é preciso entender a candidatura de Heloísa como um fenômeno. Apesar de todas as dificuldades materiais e da situação de profunda desigualdade no horário eleitoral, a companheira chegou a um patamar muito significativo nas pesquisas, o que mostra existir uma simpatia grande em relação ao nosso projeto. Precisamos então potencializar a intervenção da nossa militância nesse processo eleitoral. Do ponto de vista regional, achamos que a transferência não é automática. É preciso ter uma candidatura com um mínimo de consistência e posições sobre a região para que a população sinta firmeza. Na nossa leitura, achamos que estamos construindo minimamente essa consistência. Nos debates a que temos ido, tem ficado claro que Frente de Esquerda vem fazendo uma discussão profunda sobre a Bahia, apontando alternativas e fazendo a diferença em relação às duas principais candidaturas. A tendência é que nossa candidatura cresça. É óbvio que nosso nome era muito pouco conhecido na sociedade em geral, apesar da nossa grande trajetória nos movimentos sociais. Isso aponta um potencial muito grande, a partir do momento em que a população tenha um primeiro contato.



Você e sua corrente, a Ação Popular Socialista (do deputado Ivan Valente), saíram do PT no ano passado, dois anos depois da ruptura de Heloísa com o partido. Por que ficaram no PT até 2005, por que não houve a ruptura antes?



Hilton - Primeiro, o PT foi uma grande movimentação social que gerou uma diversidade interna muito grande. Os grupos tinham leituras diferenciadas em relação ao estágio em que o governo Lula e o PT estariam no sentido de abrir mão do projeto original do partido, que na nossa leitura ainda é viável. O que ocorreu foi uma falta de sincronia entre os diversos grupos sobre esse estágio, o que fez com que as saídas também não fossem tão sincronizadas. Mas sempre fizemos parte de um grupo que tinha uma posição muito crítica em relação aos rumos do PT.



Reportagem publicada em 27.set.2006

Todos os candidatos ao governo da Bahia foram convidados para conceder entrevista ao UOL.

Nome Completo:
Hilton Barros Coelho

Local de nascimento:
Salvador (BA)

Data de nascimento:
22 de junho de 1971

Profissão: servidor público federal com mestrado em história

Partido: PSOL

"É possível um novo modelo de desenvolvimento para a Bahia; os projetos de Lula e Souto não são os únicos caminhos."

Hilton Coelho