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"Governo Aécio é um fracasso no social", acusa Nilmário Miranda

Larissa Morais
Em São Paulo

O jornalista Nilmário Miranda concorre pela segunda vez ao governo de Minas Gerais, contra o mesmo adversário. Em 2002, o petista obteve 30,73% dos votos válidos, mas o tucano Aécio Neves venceu a eleição ainda no primeiro turno, com 57,68%.

Mesmo após ter sido ministro do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente bastante popular entre os mineiros, Nilmário não deslanchou nas pesquisas. Na última realizada pelo Datafolha, divulgada no dia 20 de setembro, o candidato aparece com 12% das intenções de voto, contra 73% do governador Aécio.

Para superar o resultado da eleição passada, Nilmário aposta na identificação com Lula e no apoio do PMDB mineiro. Segundo o petista, a aliança com os peemedebistas foi "o fato mais importante na política de Minas nos últimos dez anos".

Nem mesmo o candidato ao Senado da coligação, o ex-governador Newton Cardoso (PMDB), parece incomodar Nilmário. "Newtão" foi inimigo dos petistas até o início deste ano, quando as afinidades entre PMDB e PT em nível nacional chegaram a Minas.

Nilmário diz que não se arrepende de ter chamado Newton de corrupto e ter se posicionado a favor do impeachment do então governador. "As coisas e as circunstâncias mudam, as pessoas amadurecem", diz o petista.

Sobre o atual adversário, Nilmário prefere denominar "social zero" os principais feitos de Aécio Neves, o déficit zero e o choque de gestão. E credita a popularidade de Aécio Neves ao marketing, ao controle das notícias no Estado e à apropriação das ações federais. Para o candidato, as boas relações do governador com Lula não devem mais confundir o eleitor, à medida que o tucano peça votos para seu candidato, Geraldo Alckmin.

Universo Online - Em 1989, quando o sr. era deputado estadual, chegou a dizer que o governo de Newton Cardoso era antipopular e que praticava "corrupção nunca vista" em Minas. O sr. se posicionava então a favor do impeachment dele. Newton enfrentou ações por enriquecimento ilícito, uso indevido da máquina administrativa e até mesmo peculato. Hoje, ele é o candidato a senador na sua chapa. O que mudou?

Nilmário Miranda:
Poucos anos antes, em 1982, houve uma eleição muito disputada entre Tancredo Neves e Eliseu Resende. Hoje Eliseu é o candidato a senador de Aécio Neves. Os tempos mudam. No nosso caso, fomos adversários do PMDB por seis eleições consecutivas. Em 1989, recusei publicamente o apoio de Newton a Lula no segundo turno. Claro que foi um erro. Lula recusou o apoio de Ulysses Guimarães, e não se cansa de dizer que foi um dos maiores erros da vida dele. As coisas e as circunstâncias mudam, as pessoas amadurecem. Hoje há quatro grandes partidos no Brasil. PFL e PSDB formam um bloco de centro-direita, neoliberal, um retrocesso em relação às conquistas que obtivemos. E o PT, ao se aliar ao PMDB, está formando um bloco de centro-esquerda. Lula quis fazer isso no Brasil, mas não conseguiu. Foi o fato mais importante na política de Minas nos últimos dez anos.

UOL - O sr. se arrepende de ter dito que Newton Cardoso era corrupto?

Nilmário:
Não. Newton também falou muitas coisas do PT. Agora sabemos que estamos juntos por uma causa maior, a reeleição de Lula.

UOL - Algumas importantes lideranças do PT, como o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, apresentaram resistências à aliança com o PMDB. Isso tem atrapalhado a campanha?

Nilmário:
Esses dias Pimentel almoçou com Newton Cardoso em plena praça Sete, e numa entrevista disse que estão completamente superadas as divergências, e que vai apoiar a chapa inteira.

UOL - Minas Gerais tem hoje uma dívida de pouco mais de R$ 45 bilhões. O então governador Itamar Franco (PMDB) negociou a dívida em 1999 - o valor naquela época era de R$ 18 bilhões. Apesar dos bilhões pagos desde então, a dívida não pára de crescer. Como o sr. pretende tratar essa questão?

Nilmário:
Isso mostra que não há déficit zero. A dívida está crescendo, apesar de ter havido aumento da arrecadação. A única solução é haver crescimento do país e de Minas que permita melhorar essas contas, paralelamente à queda nos juros. A dívida já foi negociada - se houver crescimento por outro fator, podemos renegociar. Mas agora é trabalhar para fazer crescer a arrecadação com o crescimento econômico. Se não há esse crescimento, aumentar a arrecadação é transferir para a sociedade.

UOL - O sr. tem dito que o "choque de gestão" e o "déficit zero" do governador Aécio Neves (PSDB) prejudicaram as áreas sociais. O que seria o "choque de inclusão social" proposto por sua candidatura?

Nilmário:
Para fazer o ajuste, Aécio optou por dois caminhos: um arrocho fortíssimo para os servidores do Estado (o salário inicial de um professor é R$ 323, o de um profissional da saúde R$ 305, valores abaixo do salário mínimo), os salários estão bastante defasados. E ele cortou os investimentos sociais - em 2002, tomando a receita corrente líquida, a saúde representava 13,8% do orçamento, agora representa 11,6%, a segurança tomava 22,6%, agora são 16,9%. A educação representava 33,9%, caiu para 16,2%, ou seja, pela metade. Os gastos totais sociais sobre a receita corrente líquida caíram de 70,3% para 44%. É o chamado "social zero". E transferiu bastantes despesas para os municípios. Por exemplo, para se ter direito à polícia, o município tem de assumir gastos que vão desde papel higiênico, xérox, até aluguel, combustível e manutenção de viaturas.

UOL - Para onde foi o dinheiro economizado com o déficit zero?

Nilmário:
Foi para o ajuste. Ele (Aécio) encontrou uma situação no governo anterior em que o déficit era de R$ 2 bilhões e 400 milhões, então era necessário um ajuste para esse déficit em conta corrente não aumentar. Ele buscou economizar no social e nos servidores. Como isso é muito desgastante, ele fez uma ampla campanha de mídia, enaltecendo sua administração, divulgando que chegou ao equilíbrio das contas. Mas não houve redução da dívida. A dívida consolidada líquida era de R$ 32,9 bilhões em 2002, foi para R$ 39 bilhões e agora está chegando a R$ 45 bilhões.

UOL - O sr. tem dito que o crescimento de Minas deve-se ao crescimento nacional e ao bom desempenho do governo federal. A administração de Aécio Neves não tem nenhum mérito nisso?

Nilmário:
Claro que tem. O que eu disse é que Minas cresce quando o Brasil cresce. No governo FHC, Minas não cresceu porque o país não cresceu. O crescimento do governo Lula permitiu a Minas crescer mais que a média nacional. Minas vende soja, café, minério de ferro e automóveis. Tirando os automóveis, que têm alto valor agregado, o restante tem baixo valor. Mas Minas se beneficiou, porque aumentou muito a exportação. Com a abertura do mercado chinês para o Brasil, a exportação de frangos dobrou e Minas também se beneficiou - e esse mercado passou a consumir muito mais ferro gusa. O que vamos ter de fazer é diversificar nossa pauta por produtos de maior valor agregado, e agregar valor a esses que já são exportados, de maneira a gerar mais empregos e retorno.

UOL - Uma das conquistas do "choque de gestão" é o crescimento da arrecadação tributária do Estado em 70%, de 2001 a 2005. No entanto, um consumidor residencial paga 30% em imposto sobre a tarifa de luz, enquanto os empresários pagam quase a metade disso. Quais são suas propostas nessa área?

Nilmário:
É verdade. A conta de luz é a mais cara do país, e isso porque o ICMS é o mais alto do país. Esse imposto é responsável por um terço do valor da tarifa. Isso permitiu um lucro muito alto para a Cemig (Companhia de Energia de Minas Gerais), e esse lucro foi dividido: de R$ 2 bilhões, metade foi para investidores privados, e metade foi para o exterior, para sócios estrangeiros. Isso é um absurdo. O governo anterior tinha distribuído R$ 200 milhões de dividendos - esse distribuiu R$ 1 bilhão, cinco vezes mais. Minha proposta é voltar ao que era antes. Distribuir dividendos até 25%, para investir mais em Minas, em vez de transferir dinheiro para o exterior. Investir sobretudo fortalecendo a Codemig, com ações da Copasa e da Cemig, e fortalecer o BDMG (Bando de Desenvolvimento), transformá-lo num conglomerado financeiro. Defendo também fazer um pacto com os fundos de pensão, os bancos privados e públicos para investir mais em Minas, porque eles captam muito, mas investem pouco aqui. Recuperar a capacidade de investimento, distribuído pelo Estado, para haver diminuição da desigualdade regional. Defendo a redução das tarifas, com redução do ICMS para consumidores, e defendo aumentar a faixa de isenção para 100 kw (hoje é 90 kw). Há também a hipótese de congelar as tarifas até que se tornem justas. Elas são 23% mais caras que as da Light, que agora pertence à Cemig. Ou seja, a mesma empresa pratica duas políticas.

UOL - E quanto à educação? O sr. pretende manter o programa de extensão do ensino fundamental para nove anos, criado pelo governo do PSDB?

Nilmário:
Isso agora é nacional, pois com o Fundeb o ensino fundamental é de nove anos. É preciso corrigir em Minas: não há modelo pedagógico, para os piores salários, não há valorização dos professores, não há participação da sociedade, da comunidade, dos professores e dos alunos na formulação de um modelo pedagógico. Outra coisa é universalizar o ensino médio - 20% dos jovens não freqüentam a escola, sem contar a evasão escolar que é muita alta. E vincular o ensino médio com o profissionalizante.

UOL - O que o sr. acha da proposta de Aécio de fornecer uma poupança de R$ 1 mil por ano aos jovens?

Nilmário:
Acho graça porque ele falou na TV que iria dar R$ 1 mil por mês numa "bolsa jovem". Depois a mídia, que mais parece comitê de campanha, corrigiu sem falar do milagre e do santo, sem falar onde ele disse e a gafe que ele cometeu. Ele disse que é R$ 1 mil por ano, uma conta-poupança, que vai ser retirada três anos depois se o estudante obtiver notas boas e não houver passado pela polícia. Mas nós já temos o Projovem, que já tem 5 mil pessoas em Belo Horizonte que recebem uma bolsa para retornar ao ensino fundamental. É essencial garantir que esses jovens possam continuar fazendo um aprendizado especial do ensino médio. Aí o Estado poderia entrar com o ensino médio - seria uma parceria entre União e Estado. A União expandiria o Projovem para cidades com mais de 200 mil habitantes, e o Estado poderia entrar com a bolsa para dar continuidade no ensino médio. E buscar a universalização do ensino público e gratuito no ensino médio, onde a privatização avançou muito mais.

UOL - Apesar de contar com o maior número de universidades federais do país, Minas tem uma universidade estadual débil, com cursos pagos e de baixa qualidade. O que o senhor fará com a UEMG?

Nilmário:
Quase todos os Estados do país têm universidades estaduais. Em Minas temos um simulacro, porque a UEMG tem nove campi no interior, praticamente em todos se cobra mensalidade, e eles não foram planejados como instrumento estratégico para o desenvolvimento. Eram escolas preexistentes que passaram a se chamar UEMG - isso não é universidade pública, nem gratuita, que ajuda a desenvolver o Estado, pensando estratégia para cada região.

UOL - As microrregiões e os municípios situados no norte de Minas, vales do Jequitinhonha, Mucuri e Rio Doce e no norte da Zona da Mata têm sérios problemas de crescimento, com renda per capita abaixo da média estadual. Como o sr. pretende combater as desigualdades regionais?

Nilmário:
Um projeto concreto para isso: fazer uma política industrial e tecnológica para criar arranjos produtivos locais, adensando cadeias produtivas a partir da vocação de cada região. Planejar investimentos, fortalecendo a Codemig e o BDMG, fazendo uma verdadeira parceria com o governo Lula, que tem um projeto de mesorregiões, de enfrentar desigualdades regionais. Associar-se a esse projeto, desenvolvido pelo Ministério da Integração Nacional em conjunto com outros ministérios. E também apoiando iniciativas, como a criação de uma universidade federal pelo governo Lula nos vales do Jequitinhonha e do Mucuri - são ações também estruturantes e estratégicas. Temos de promover associação da UEMG e da Unimontes com essa nova universidade.

UOL - Segundo a última pesquisa do Datafolha, em Minas Lula tem uma vantagem de quase 30 pontos sobre Alckmin - 49% a 20%. O sr. foi ministro do presidente e pertence ao mesmo partido. Ainda assim, alcançou apenas 7% na última pesquisa Ibope, contra 71% de Aécio, filiado a um partido adversário do PT. Como o sr. explica isso?

Nilmário:
Fui candidato em 2002, e todos os institutos no mês de agosto diziam que eu tinha 3%, 4%. Um deles disse que eu poderia ter 7%. O Aécio tinha mais de 60%. Já tiraram conclusões, que iria ser a derrota mais acachapante e desmoralizante. No entanto, quando as urnas foram abertas, eu tive 30,7% dos votos. No dia da eleição, os institutos deram metade disso. Então, não posso me estressar com pesquisas. Tenho que aproveitar bem o horário eleitoral, a mobilização da militância, realizar muitos debates.

UOL - A que o sr. atribuiu o amplo favoritismo de Aécio nas pesquisas?

Nilmário:
Ele trabalhou muito bem o marketing, controlou as notícias no Estado e apropriou-se das ações federais, como se fossem dele. O governo dele tem muitos pontos positivos, mas é um verdadeiro fracasso no social, na educação, na saúde, na transferência de renda, na assistência social. E fracassou também na desigualdade regional, não agregou nada para reverter essa situação de metade do nosso Estado. Ele buscou convencer a sociedade que as ações federais eram dele, e criou um clima de satisfação. O horário eleitoral começou a dar um choque de realidade, para mostrar que o choque de gestão é o responsável pela manutenção e pelo aprofundamento dessa situação. E aí vai tornar-se viável um choque de inclusão social, com estratégia de desenvolvimento, desenvolver distribuindo, integrando e incluindo. Porque a única forma de desenvolver hoje é ampliando o mercado interno.

UOL - O sr. acha que o Aécio ainda fatura sobre a imagem de Tancredo Neves?

Nilmário:
Acho que isso tem um peso menor agora, pois ele foi governador, tem que responder pelos seus atos.

UOL - Aécio é conhecido por ter uma boa relação com Lula e Fernando Pimentel. Esta "afinidade" seria responsável pelo mau desempenho de sua candidatura nas pesquisas?

Nilmário:
É uma situação nacional. Quem está no governo ou quem já esteve aparece melhor nas pesquisas. Isso não me preocupa. Acho que esta eleição será diferente das outras. O palanque eletrônico vai pesar mais. Acho positiva a reforma das leis eleitorais - vai ser uma eleição mais propositiva.

UOL - Mas essa boa convivência entre Lula, Aécio e Pimentel não ajuda a dirimir na cabeça do eleitor as diferenças entre PT e PSDB?

Nilmário:
Não. Isso ficará claro, porque Aécio apóia Alckmin e está fazendo campanha para ele. As pessoas que achavam que ele iria apoiar Lula vão saber que ele não faz isso, o que vai pesar na sua decisão final. Acho muito prematuro falar quem ganhou e quem já perdeu. Nem o presidente Lula está eleito, muito menos Aécio. Acho que a eleição ainda está por ser feita.

UOL - O vice-presidente José Alencar esteve em campanha com o senhor. Ele deve estar mais presente?

Nilmário:
É verdade. Nós fomos a Caratinga e a Muriaé, ele foi a Pouso Alegre e Poços de Caldas. Ele virá muitas vezes. Patrus Ananias, Luiz Dulci e Hélio Costa vão intensificar sua participação. Fernando Pimentel foi à praça Sete comigo, almoçou com Newton Cardoso para mostrar que vai participar da campanha de todos.

UOL - Aécio tem sinalizado que não pretende comparecer a debates. O que o sr. acha disso?

Nilmário:
Já se criou a idéia no Brasil que, se um candidato for a um debate com vários outros candidatos, todos vão bater nele, e ele só debate no segundo turno. No caso de Minas, tenho a impressão de que nos próximos dias haverá uma polarização, sem desmerecer nenhum outro candidato, entre a minha candidatura e a de Aécio. Então, acho que poderia haver pelo menos um debate. Mas, se ele não quiser, vou comparecer a todos os debates.

Todos os candidatos ao governo de Minas Gerais foram convidados para conceder entrevista ao UOL.

Reportagem publicada em 25.set.2006.

Nome completo:
Nilmário de Miranda

Local de nascimento:
Belo Horizonte (MG)

Data de nascimento:
11 de agosto de 1947

Profissão: jornalista

Partido: PT

"Os tempos mudam. Fomos adversários do PMDB por seis eleições consecutivas. Em 1989, recusei o apoio de Newton a Lula no segundo turno. Claro que foi um erro"

Nilmário Miranda

NOVOS ALIADOS

Apesar da aliança com Newton Cardoso, o ex-governador tem aparecido pouco em companhia de Nilmário.