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"Uma sociedade desigual tem que ser tratada desigualmente", afirma Denise Frossard

Carolina Juliano
Em São Paulo

A deputada federal Denise Frossard foi lançada como candidata ao governo do Estado do Rio de Janeiro por uma coligação que juntou numa mesma mesa de discussão PPS e PFL. "Este não é o momento das ideologias. As ideologias caíram diante da crueza da ameaça da vida de todos nós", explica a ex-juíza.

Denise diz que a sua candidatura se justifica pelo momento peculiar que o Estado atravessa e que os princípios que a regem são "absolutamente republicanos". Lembra que foi a primeira juíza a condenar o crime organizado no Brasil, quando ordenou a prisão do bicheiro Castor de Andrade, e diz que viveu - e, portanto, conhece melhor do que ninguém - as entranhas do seu Estado.

Na disputa pelos votos, elegeu como seu único adversário o candidato do PMDB, Sérgio Cabral Filho, "um filho da máquina pública", que pretende derrubar quando a campanha começar nas emissoras de rádio e televisão. "Eu vou derrubá-lo com denúncias ou propostas. Com tudo que for lícito. Porque não pode querer mudar o modelo quem se beneficia dele", dispara a candidata em entrevista ao UOL.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.



UOL - Como a senhora foi escolhida para ser candidata pela coligação PPS/PFL/PV? Houve convenção?


Denise - Eu venho como candidata natural do meu partido. Não houve disputas, meu nome veio naturalmente, o que me deu chances de negociar uma coligação como essa que nós formamos e que está ligada por princípios absolutamente republicanos. São princípios de mudança na maneira como se faz política no nosso Estado e na maneira como se "desgoverna" o nosso Estado.



UOL - E o que fez o nome da senhora vir naturalmente?


Denise - A minha candidatura natural se justifica pelo peculiar momento que o Rio de Janeiro atravessa hoje. Eu sei o que é o crime, a violência, a corrupção organizada, que é operada pelos políticos tradicionais que operam a máquina pública em benefício próprio. Aqui é o berço de nascença do mensalão. Aqui estão os maiores sanguessugas. Sei quais são os problemas essenciais porque durante 14 anos, no papel de juíza criminal, eu lidei com os inquéritos mal feitos, às vezes por incompetência da política, mas na maioria das vezes, por interesses políticos.



UOL - A senhora quer dizer que conhece o outro lado do problema?


Denise - Eu vivi o outro lado do problema. Eu vi as entranhas do meu Estado. Tanto no Judiciário como no Congresso Nacional, quando atuei na CPI dos Correios, eu vi de perto as vísceras da corrupção.

Sei quais são os problemas que aflige o policial sério, que está nas ruas. Eu me lembro quando prendi o Castor de Andrade (bicheiro mais influente do Rio de Janeiro) que ele perguntou "que polícia é essa?". Era a polícia que eu conhecia. Eu conhecia a boa e a ruim. A ruim estava a serviço dele, mas a boa foi a que atendeu às minhas ordens.

Sei como a polícia age nas áreas carentes, sei do peso da ilegalidade, dos abusos, da falta de respeito com que muitas vezes a polícia age nas áreas carentes. E é por isso que minha candidatura está diretamente ligada ao momento que o Estado vive.



UOL - A segurança pública será prioridade no seu governo?


Denise - Nós não faremos nada por aqui, em nenhuma área, enquanto perdurar o crime e enquanto crescer sem obstáculos a violência. E nada se fará também enquanto houver a corrupção e o cinismo dos políticos.

Por exemplo, no campo da Educação. Não é novidade que para a educação ser de qualidade precisa de um ambiente sadio e produtivo. Precisa de professores que ganhem bem para viverem com dignidade, equipamentos modernos, além dos quadros negros e do giz. A educação acontece nas escolas. Portanto precisamos entrar nas escolas para ver se elas têm qualidades e para isso e criar indicadores de avaliação para medir o desempenho.



UOL - Criar indicadores de qualidade está entre seus planos para a Educação?


Denise - Sim, mas eu ainda vou além. Eu defendo uma educação integral, de ensino público. Não somente em horário, mas em dignidade. Temos que considerar o aluno como um todo, intelecto, corpo e espírito, e agir sobre cada um desses meios. De nada adianta um ensino que não passa da porta da sala de aula.

Mas sei o quanto o crime no meu Estado tem impedido a ação das escolas e sei o quanto pesa a corrupção sobre a estrutura inteira. Caímos de novo na mesma questão da segurança pública.

Na área da saúde é a mesma coisa. É fácil saber o que está deficiente nos serviços de saúde, basta necessitar deles. Nós temos que tratar desigualmente uma sociedade desigual. Impõe-se ao governo do Estado uma atuação mais determinada no atendimento de pessoas que não podem pagar os planos de saúde, por exemplo.

E aqui também não basta que o governo garanta esse atendimento se o crime e a corrupção estiverem infiltrados, consumindo milhões em recursos, que, bem aplicados, poderiam melhorar o atendimento médico e a qualidade do serviço.



UOL - Quais outros serviços de responsabilidade do Estado estão ameaçados pela falta de segurança?


Denise - Os transportes, por exemplo. A população precisa do transporte para ir e vir do trabalho ou do médico ou do lazer. Como garantir o transporte? Fiscalizar as concessões pode ser um bom começo, criar instrumentos que permitam ao governo financiar transportes de massa para aliviar a vida das pessoas que precisam dele. Ampliar o metrô, quem sabe.

Mas eu retorno ao velho bordão. De que adianta uma confortabilíssima estrutura de transportes, como os vagões coreanos que eu pretendo colocar, se o crime retira de circulação a vida humana? De que adianta o transporte de qualidade se no caminho de casa tem uma bala perdida na guerra de extorsão entre polícia e bandido?



UOL - É esse o bordão que a fez candidata?


Denise - É mais do que um bordão, é uma toada. Sim, é esta toada que me faz ser candidata ao governo do Estado. Porque nesta toada podemos seguir para falar de meio ambiente, habitação, serviço público, saneamento, de tudo isso. Ao final da linha eu te garanto que vamos encontrar sempre o crime, a violência e a corrupção a impedir que os investimentos privados e públicos e o trabalho de qualquer governo dêem certo. É minha missão tirar isso da máquina pública.



UOL - Como é que a senhora pretende modificar o funcionamento da máquina pública?


Denise - Existe, na máquina, um grupo de excelentes profissionais a prestar serviços. Em cada uma das áreas é possível traçar as políticas certas e construir um modelo, que a partir da valorização do servidor público e do controle e avaliação dos gastos você consegue prestar serviço melhor. Quando interrompermos a linha de comunicação direta entre os interesses eleitorais e os gastos de recursos públicos vai sobrar algum dinheiro para os primeiros investimentos porque existe uma gordura política.

Temos que tirar as interferências que as estruturas partidárias e eleitoreiras exercem sobre a máquina pública. Mas quem é que pode fazer isso? Eu posso. E estou dizendo que posso devido a uma conspiração dos astros, digamos assim.

O senhor Sérgio Cabral (candidato ao governo pelo PMDB), que ao longo da sua vida para ter sucesso na política se apropriou da máquina pública ou do modelo que ele está condenando agora, não pode. Olhe para a biografia de cada um dos candidatos (menos a de Vladimir Palmeira, que eu respeito). Pergunte a profissão dessa gente. Eles não têm. Eles são filhos da máquina ou se beneficiaram da máquina quando entraram na política. E são muito jovenzinhos, estão aí mal saídos dos cueiros. Têm os vícios da origem e eu não trago essa origem no meu DNA.



UOL - A senhora pretende fazer uma mudança estrutural na máquina?


Denise - Não. A máquina tem uma estrutura boa. O problema é de gestão. Temos que dar gestão à estrutura. A polícia, por exemplo. Dizem que temos que mudar a polícia. Não temos que mudar nada porque quem vai dizer o que a polícia tem que fazer é o código do processo penal. A nossa polícia é boa.



UOL - A senhora acha que a polícia do Rio de Janeiro pode funcionar nos mesmos moldes que existe hoje, só mudando a sua gestão?


Denise - Claro que sim. Eu sei porque dei ordens a ela. Existe a polícia que ninguém conhece, que é boa e correta. Mas ela não vai respeitar quem se serviu dela.



UOL - E a administração dos presídios?


Denise - Uma juíza criminal precisa saber como são cumpridas as penas que ela determina e por isso - você me desculpe por insistir nisso - mas eu sei lidar com isso também. Confesso que nesse aspecto há algo de bom no governo atual. O governo Rosinha esqueceu os presídios. Tiveram problemas lá então deixaram para estourar nas mãos do secretário Astério (Pereira dos Santos, secretário da Administração Penitenciária). Curiosamente, porque foi esquecido, ele está fazendo um trabalho bom. Ele começou por entender, por exemplo, que complexo tem que ter lá dentro um fórum, onde o juiz pode ouvir os seus presos.



UOL - Quais os planos da senhora para a administração penitenciária?


Denise - Primeiramente temos que rever o modelo dos presídios para integrar o nosso modelo a um processo gerencial moderno.



UOL - Pretende construir presídios?


Denise - Talvez seja necessário, mas é preciso que o governo federal cumpra com a sua parte e disponibilize vagas nos presídios federais. O que eu quero é esvaziar os presídios aplicando mais penas alternativas. Hoje elas não são aplicadas.



UOL - Por que as penas alternativas não são aplicadas?


Denise - O juiz não as aplica porque não confia que o Executivo seja capaz de organizar opções para que essas penas sejam cumpridas. Eu pretendo organizar uma cesta de opções de penas alternativas (não apenas o pagamento de cestas básicas) que seja uma prestação de serviços à comunidade. As nossas prisões poderão ser esvaziadas enormemente. Vamos deixar para cumprir pena privativa de liberdade aqueles que não têm condições de conviver em sociedade.



UOL - A senhora diz que vai cortar de 50% a 60% dos gastos do Estado. Como?


Denise - O senhor Serginho Cabral, que eu chamo de garotinho do Garotinho, diz por aí que vai cortar linearmente 50% dos gastos. Eu proponho também cortar de 50% a 60% dos gastos, mas das despesas de custeio com as atividades de meio. O que ele propõe cortar foi o que o pai dele, o Garotinho, cortou. Foi o dinheiro de custeio de atividades fim, como, por exemplo, a Segurança Pública. Aí é fatal. Cabral propõe um corte criminoso, assim como Garotinho cortou criminosamente.



UOL - Onde é que pretende enxugar?


Denise - Nas funções administrativas. Já mando até um recado: quem está ocupando função de Estado, que são aquelas funções que os governos passam e elas permanecem, não irá permanecer, a não ser por concursos públicos. Acho bom começarem a estudar porque vão ter que se submeter a um concurso de provas e títulos, assim como eu me submeti porque a minha função era uma função de Estado.

Pretendo também auditar todos os contratos. E aproveito para mandar outro recado: haverá punições severas, mas também haverá premiações dignas. Quem contratou não receberá. Mas, por outro lado, quem bem contratou vai receber cada centavo e, a partir daí, receberá rigorosamente em dia.



UOL - A senhora vai rescindir contratos?


Denise - Contratos nulos? Claro. Se foi contratado à margem da lei eu tenho que pagar com dinheiro público? Esqueça! Eu conheço a lei. Pagará com a cadeia ainda por cima. E vai ter que ressarcir ao governo e a todos nós.



UOL - O seu governo vai dar incentivos fiscais?


Denise - O maior incentivo fiscal sem necessidade de contrapartida - porque eu acredito que ela virá naturalmente - eu asseguro que será o incentivo fiscal da eficiência administrativa, da redução da criminalidade e, principalmente, da redução da corrupção. Será o incentivo fiscal de tornar a máquina pública bem mais barata.



UOL - Quando a senhora perdeu o Castor de Andrade, logo em seguida foi sabido que estava jurada de morte. A senhora não teme, como governadora, ficar mais em evidência e ser um alvo mais fácil?


Denise - Sofri três atentados, mas acho exatamente o oposto. Eu conheço profundamente o crime organizado. Eu conheço o cheiro dele e ele conhece o meu. Que é cheiro de adrenalina, igual. Por isso eu sei que enquanto for caro me matar eles não vão fazer.



UOL - Falando de uma maneira bem simplista: a cabeça de uma governadora vale mais que a de uma juíza?


Denise - Sim, é isso mesmo. Não é um bom negócio na relação custo benefício.



UOL - Como é que a senhora foi buscar o apoio do PFL para a sua candidatura, que é um partido ideologicamente oposto ao PPS?


Denise - Este não é o momento das ideologias. As ideologias caíram diante da crueza da ameaça da vida de todos nós. Nós nos unimos para enfrentar esse modelo predatório que está aí, colocar o carro no rumo, nos trilhos.



UOL - O momento supera as diferenças ideológicas?


Denise - Claro que supera. Nós sentamos à mesa durante dois meses pelas nossas convergências e não pelas divergências. E são muitas.



UOL - Para a senhora nunca foi incômodo estar ao lado do prefeito César Maia?


Denise - Absolutamente. Eu comecei a minha vida política ao lado dele.



UOL - A senhora compartilha de idéias do prefeito César Maia?


Denise - Sim, de muitas. Mas divirjo de outras tantas. Pretendo trabalhar em conjunto com ele e sei que não terei nenhum problema de diálogo.



UOL - A senhora está apoiando a candidatura de Geraldo Alckmin por uma determinação do seu partido ou por iniciativa própria?


Denise - Eu voto no Geraldo, já declarei. O meu partido recomenda o voto nele.



UOL - Mas a senhora vota por que o partido recomenda?


Denise - Porque isso foi debatido entre nós e chegamos a essa conclusão. A minha opinião prevaleceu. O meu entendimento era esse (de apoiar Alckmin).



UOL - E se for reeleito o presidente Lula, como pretende dialogar com o governo federal? Porque a senhora foi uma crítica do governo dele.


Denise - Será bom, será igual. O assunto será republicano. E eu continuarei sendo sempre crítica.



UOL - Acredita que os votos do César Maia vão diretamente para a senhora?


Denise - Não estamos preocupados com isso. Estamos trabalhando para ser uma alternativa. Não sei se essa transferência de votos existe realmente.



UOL - Mas a senhora tem que ir buscar votos de alguém, porque ocupa o terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto. Vai buscar de quem?


Denise - Ainda não há campanha de massa e isso não é bem assim. Ainda não começou. Eu sou conhecida de 45% dos eleitores. Sérgio Cabral é conhecido por 98% das pessoas e ainda vem de uma campanha majoritária. E ainda não colou nele que ele é o candidato da Rosinha, que tem uma enorme rejeição.



UOL - A senhora acha que vai ser mais fácil tirar votos do Cabral ou do Marcelo Crivella?


Denise - O meu adversário é o Sérgio Cabral. Eu vou derrubá-lo.



UOL - Com denúncias ou com propostas?


Denise - Com tudo que for lícito. E com propostas, sem dúvida alguma. Porque não pode querer mudar o modelo quem se beneficia dele. Ele é cria desse modelo clientelista, corrupto. Vou bater nessa tecla.



Reportagem publicada em 07.ago.2006
Todos os candidatos ao governo do Rio de Janeiro foram convidados para conceder entrevista ao UOL.

Nome Completo:
Denise Frossard Loschi

Local de nascimento:
Carangola (MG)

Data de nascimento:
6 de outubro de 1950

Profissão: Juíza

Partido: PPS

"As ideologias caíram diante da crueza da ameaça da vida de todos nós "

Declarou Denise Frossard, ao ser questionada sobre a aliança do seu partido com PFL e PV

DENISE E OS OUTROS

O prefeito do Rio César Maia apoiou Denise Frossard, que declarou apoio a Geraldo Alckmin