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24/10/2006 - 19h26

Lula paga dívida de lealdade no Maranhão dos Sarney

Por Ricardo Amaral

TIMON, Maranhão (Reuters) - Para pagar uma "dívida de lealdade" com a família Sarney, o presidente-candidato Luiz Inácio Lula da Silva jogou seu prestígio político no emaranhado em que se transformou, literalmente, a disputa pelo governo do Maranhão no segundo turno.

Sob um sol de 40 graus, na cidade de Timon, Lula foi a estrela de um comício da senadora Roseana Sarney, do PFL, mas o PT do Maranhão apóia seu adversário, Jackson Lago, do PDT, e não mandou representantes ao comício.

"Quando tacaram pedras em mim, essa mulher e o pai dela ficaram do meu lado e me defenderam", disse Lula sobre Roseana e o senador José Sarney (PMDB-AP), ex-presidente da República, que o apoiou na fase mais aguda do escândalo do mensalão, em 2005.

"Um amigo de verdade a gente conhece é na hora da doença, na hora da desgraça, quando precisa pedir uma xícara de óleo emprestado", prosseguiu. "Quem vai votar em mim, por favor, vote também na Roseana", pediu Lula, que teve 75,5 por cento dos votos no estado em 1o de outubro.

Lula é especialmente grato a Sarney por um discurso do ex-presidente na tribuna do Senado, em agosto do ano passado, quando o PFL ameaçou pedir a cassação do registro do PT, acusado de movimentar dinheiro em paraísos fiscais.

"O Brasil não pode abrir mão de seu maior partido de esquerda", disse Sarney na ocasião. O PFL desistiu da iniciativa.

"Esse homem escreveu até artigo pra me defender. Essas coisas a gente não esquece", agradeceu Lula no palanque em Timon.

De lá, o presidente cruzou o rio Parnaíba para um comício em Teresina, capital piauiense, num palanque tomado por petistas eleitos e reeleitos, como o governador Wellington Dias. Lula pediu aos militantes que baixassem faixas e bandeiras para poder vê-los melhor.

"Eu já tenho de ver todo dia a cara do Alckmin", brincou o presidente.

PADRE VIEIRA

As eleições deste ano repetem e agravam a história de traições e recomposições que marcam o Maranhão desde que José Sarney chegou ao governo do Estado, em 1965, inaugurando uma das mais duradouras dinastias políticas do país.

Desde então, foram eleitos com apoio de Sarney os ex-governadores João Castelo, Luiz Rocha, Epitácio Cafeteira, Roseana, Edison Lobão e o atual, José Reinaldo. Com exceção de Roseana, todos viriam a romper com Sarney. Cafeteira refez a amizade este ano e elegeu-se senador. Estava no palanque em Timon.

O caçula na lista de "ingratos" com Sarney é Edison Vidigal, candidato derrotado do PSB ao governo e aliado de Lago. Vidigal era jornalista nas empresas de Sarney, que nos anos 1980 o nomeou ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A freqüência com que os políticos maranhenses mudam de lado, pelo menos em relação a Sarney, deu atualidade a um dos mais famosos textos do Padre Antônio Vieira, um clássico da literatura brasileira no século XVII.

"No Maranhão até os céus e o sol mentem", escreveu Vieira no Sermão da Quinta Dominga da Quaresma (1654), reverberando a sociedade local e o fato de que a posição equatorial da ilha de São Luís traía os astrolábios dos navegadores. Jackson Lago, ex-prefeito de São Luís, é uma referência da dividida esquerda maranhense. Tem apoio do PSB local, outro aliado nacional de Lula, e também do PSDB maranhense, mas recusou-se a apoiar Geraldo Alckmin para o Planalto.

Mesmo sendo do PFL, Roseana tem apoio do PCdoB (outro partido lulista), que participou de seus dois governos (1995-2003)

BÊ-ERRE-Ó-BRÓ

A campanha de Roseana fechou toda a área próxima à rodoviária de Timon. Havia portais detetores de metal da Presidência da República, mas só foram barrados alguns eleitores que carregavam faixas com o slogan "sou Lula 13, sou Jackson 12".

Cerca de cinco mil pessoas aguardaram Lula por quase duas horas, vizinhas ao meio-dia, em pleno "bê-erre-ó-bró." Esse é o nome que se dá, no Maranhão e no Piauí, aos meses de setembro a dezembro, terminados em "bro". É o verão do Meio-Norte brasileiro: mínima de 38 graus à sombra. Houve desmaios.

"Pra ver Lula eu espero até mais, ele merece", disse a agente comunitária Socorro Pedreira, 37 anos, que não arredou da primeira fila diante do palanque. Para governador, Socorro vota em Jackson, mas não faz alarde. Nas bordas da multidão, militantes usavam camisas com a inscrição "Mar Vermelho", marca registrada do PT de Timon, e não conseguiam esconder o constrangimento pelo apoio do presidente à família Sarney.

"Vai ver que Rosa (como Roseana é conhecida no Estado) esteja mais perto do vermelho", arriscou a professora Regina Lúcia. "Mas somos todos Lula".

Roseana chegou ao segundo turno com 47 por cento dos votos válidos, contra 36 por cento de Lago. O Ibope apontou vantagem para Roseana no segundo turno, com 51 por cento das intenções de voto no fim da última semana. O instituto local Constat diz que Lago é que tem 16 pontos de vantagem.

As pesquisas foram registradas no TRE local, mas as duas campanhas tentam desqualificá-las, justificando, na política, o Sermão de Vieira e os dicionários que classificam a palavra "maranhão", substantivo, masculino: "grande mentira".